ANÁLISE DE SENSIBILIDADE DO PARÂMETRO DE RUGOSIDADE DE MANNING EM MODELOS SINTÉTICOS DE VALE PARA ESTUDOS DE RUPTURA HIPOTÉTICA DE BARRAGENS (DAM BREAK)

Gabriel Fonseca Cunha 1; Rodrigo Perdigão Gomes Bezerra 2 & Julian Cardoso Eleutério 3

Resumo: O coeficiente de rugosidade de Manning é um parâmetro de entrada importante para estudos de propagação hidrodinâmica de ondas de ruptura de barragens. Sua escolha é normalmente condicionada a faixas de valores propostas em literatura em função do tipo de cobertura de solo da planície de inundação. No entanto, para um mesmo tipo de cobertura de solo, há variabilidade plausível de valores para o coeficiente de rugosidade de Manning relativamente grande, que pode resultar em grande variabilidade de resultados para o modelo hidrodinâmico, embutindo incertezas na modelagem. Neste trabalho, foi elaborada análise de sensibilidade para o coeficiente de rugosidade de Manning em estudos de dam break em diferentes configurações topográficas para a planície de inundação, com a utilização de calhas sintéticas prismáticas, com variadas declividades longitudinal e transversal. Foram identificadas variações de até 45% nas velocidades máximas e de até 25% nas profundidades máximas obtidas da modelagem em função da variabilidade para o coeficiente de rugosidade de Manning para um mesmo tipo de cobertura de solo em uma mesma configuração topográfica de vale. Verificou-se que quanto mais rugosa a cobertura de solo, maior é sensibilidade das profundidades máximas (e, portanto, de delimitação da mancha de inundação) e menor é a sensibilidade das velocidades máximas à variação do coeficiente de rugosidade de Manning.

Abstract: The Manning roughness coefficient is an important input parameter for hydrodynamic routing of the breach hydrograph in dam break studies. Choosing the appropriate value for the parameter is usually done using value ranges proposed in the literature, depending on the soil cover of the floodplain. However, for a given type of soil cover, there is a plausible variability in the Manning roughness coefficient, which could lead to significant variation in the results of the hydrodynamic model, introducing uncertainties to the modeling process. This paper presents a sensitivity analysis for the Manning roughness coefficient for dam break studies, under different topographic characteristics for the floodplain, with use of synthetic prismatic triangular channels with varying longitudinal and transverse slopes. Variations of up to 45% in maximum velocities and up to 25% in maximum depths were found for the same topography due to the expected variability in the Manning roughness coefficient for a given type of soil cover. It was found that the increase of the roughness of the vale surface is associated with the increase of sensitivity of the maximum depths and decrease of sensitivity of the maximum velocities to the Manning roughness coefficient variation.

Palavras-Chave – Dam break; rugosidade de Manning; análise de sensibilidade.

1) Eng. na Pimenta de Ávila Consultoria; Mestrando no PPG-SMARH / UFMG, Belo Horizonte – MG, gabriel_fonseca_cunha@yahoo.com.br
2) Mestre pelo PPG-SMARH / UFMG, Belo Horizonte – MG, rodrigo.pgb@gmail.com
3) Professor do Depto. de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR) / SMARH / UFMG, Belo Horizonte – MG, julian.eleuterio@ehr.ufmg.br

INTRODUÇÃO

A modelagem hidrodinâmica da propagação da onda de cheia é parte fundamental de estudos de ruptura hipotética de barragens. Seus resultados são essenciais para subsidiar a avaliação de populações potencialmente atingidas e infraestrutura potencialmente comprometida pela inundação.

Conforme apontado por Jung e Merwade (2012), um dos maiores desafios na elaboração de avaliações acuradas de fenômenos de inundação é a incorporação de incertezas derivadas dos modelos hidrológico-hidráulicos adotados e de seus dados de entrada, incluindo topografia e dados de uso e ocupação do solo. Especialmente para estudos de inundações decorrentes de rupturas de barragens, esse desafio permanece atual. com incertezas relacionadas a parâmetros de brecha (DA SILVA; ELEUTÉRIO, 2023), parâmetros reológicos (MELO, 2022), coeficiente de Manning (BEZERRA, 2022) entre outros parâmetros.

A calibração de parâmetros de entrada poderia ser um instrumento para redução das incertezas associadas à modelagem; no entanto, salvo em estudos de retroanálise, o evento de ruptura da estrutura estudada não aconteceu anteriormente à elaboração do estudo. Dessa forma, não se dispõe de resultados reais do fenômeno para utilização para calibração do modelo adotado para a propagação de ondas de inundação de ruptura hipotética de barragens. Diante disso, a elaboração de análises de sensibilidade é importante para o conhecimento do comportamento dos modelos adotados, auxiliando na compreensão da influência de parâmetros de entrada na variabilidade dos resultados obtidos (RIZZO; MARANZONI; D’ORIA, 2023).

Neste trabalho, apresenta-se análise de sensibilidade para modelagem unidimensional de propagação de ondas de cheia decorrentes de rompimentos de barragens com utilização do software HEC-RAS, em função do coeficiente de rugosidade de Manning. A avaliação foi feita considerando diferentes configurações geométricas para o vale a jusante (declividades longitudinais e laterais), que podem influenciar na sensibilidade dos resultados da modelagem hidrodinâmica ao coeficiente de rugosidade de Manning.

METODOLOGIA

A metodologia adotada para este trabalho foi concebida de forma a possibilitar a comparação dos resultados da propagação hidrodinâmica de um hidrograma de ruptura de barragem de água para diferentes condições geométricas e de ocupação do vale a jusante, seguindo cinco etapas metodológicas: 1) definição de coeficientes de rugosidade de Manning; 2) elaboração de hidrograma de ruptura; 3) elaboração de modelos sintéticos de topografia; 4) definição de cenários de simulação para análise de sensibilidade; e 5) simulação computacional e compilação dos resultados.

Definição de Coeficientes de Rugosidade de Manning

O coeficiente de rugosidade de Manning (n) é o parâmetro de entrada no modelo hidrodinâmico para cálculo das perdas de energia do escoamento por atrito com a superfície do vale, e representa a quão rugosa é a superfície. Sua estimativa para adoção em estudos de ruptura hipotética é dificultada devido à impossibilidade de calibração, e é normalmente realizada a partir de tabelas com faixa de valores em função da cobertura do solo, como as apresentadas por Chow (1959) e Porto (2006).

O coeficiente de rugosidade de Manning é o parâmetro cuja sensibilidade foi avaliada neste trabalho. Foram avaliadas as variações do parâmetro para quatro diferentes tipos de cobertura de solo aplicáveis a planícies de inundação, conforme valores apresentados por Chow (1959). A sensibilidade do parâmetro de rugosidade de Manning foi avaliada, para cada tipo de cobertura de solo, para diferentes configurações geométricas de calha prismática. A Tabela 1 apresenta os valores adotados.

Tabela 1 – Valores adotados para coeficiente de rugosidade de Manning (n)

Elaboração do Hidrograma de Ruptura

Para o desenvolvimento do estudo, foi elaborado um único hidrograma de ruptura para propagação nas diferentes configurações de vale a jusante, possibilitando a comparação entre resultados obtidos para diferentes modelos. Os hidrogramas de ruptura para rompimentos de barragens dependem de características específicas de brechas, e podem ser estimados por meio de diferentes metodologias (ROSSI et al., 2021). Dado o caráter generalista do estudo em questão, optou-se por adotar metodologia simplificada para a elaboração desse hidrograma.

A literatura apresenta formas simplificadas de hidrogramas utilizados, dos quais se destacam: hidrograma triangular com vazão de pico em t=0; hidrograma triangular com vazão de pico em t ≠0 e decaimento parabólico (ROSSI et al., 2021). Adotando um formato triangular o hidrograma é determinado a partir de sua vazão, tempo de pico e tempo de base, a partir dos quais o volume total de ruptura pode ser calculado (HAGEN, 1996).

Existem diversas proposições de equações de regressão para estimativa de volume mobilizado, vazão de pico e tempo para pico (ROSSI et al., 2021). No entanto, para este trabalho, optou-se por adotar valores obtidos de base de dados para rupturas reais, para que não seja necessário estipular a priori volume armazenado e altura do barramento, que são dados necessários para a utilização das equações de regressão. Assim, o hidrograma foi construído a partir de parâmetros para vazão de pico, tempo de pico e tempo de base obtidos da base de dados de Bernard-Garcia e Mahdi (2020), que agrupou 2.769 registros históricos de rupturas de barragens de água.

Para a obtenção da vazão de pico (Qp), foram filtrados os registros de rupturas de barragens de terra com dados disponíveis para vazão de pico. Foram obtidos 37 registros. 15 deles apresentam faixa de valores possíveis para vazão de pico, com limite mínimo e máximo. Nesses casos, os registros foram duplicados, considerando o valor mínimo e o valor máximo como dois diferentes registros, totalizando 52 registros. A vazão de pico adotada no estudo foi a vazão média desses 52 dados. Para obtenção do tempo de pico (tp) e tempo de recessão (tempo entre o pico e o fim do hidrograma, tr), foi aplicado filtro na base de dados, separando registros de barragens de terra. Foram obtidos 24 registros. Foi adotado o tempo de pico e tempo de recessão medianos para os 24 registros.

A Tabela 2 apresenta os parâmetros do hidrograma triangular adotado.

Tabela 2 - Parâmetros do hidrograma triangular

Elaboração dos Modelos Sintéticos de Topografia

3,2 h 4,3 h

A topografia adotada em uma dada modelagem hidráulica tem influência significativa nos resultados obtidos, por definir geometricamente o domínio do escoamento, incluindo as seções transversais do vale, e a batimetria do corpo d’água (JUNG; MERWA

uma condicionante do comportamento do escoamento, é de se esperar que a influência do coeficiente de rugosidade de Manning nos resultados da modelagem hidrodinâmica sofra variações em função das características topográficas do vale. Para avaliação de diferentes condições topográficas possíveis para a propagação da onda de cheia, foram adotados modelos sintéticos de topografia que simulam diferentes características de vale. Os modelos sintéticos de terreno adotados foram elaborados como calhas prismáticos triangulares, com diferentes declividades longitudinais (?) e transversais (?), conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 – Calhas sintéticas prismáticas triangulares - declividades longitudinal e transversal

Destaca-se que a calha triangular proposta tem como objetivo simular a planície de inundação do vale a jusante, e não a calha do leito regular. Essa proposta se justifica na premissa de que a calha do leito regular é pequena em relação à planície de inundação, sendo sua capacidade de vazão desprezável em comparação à capacidade de vazão com grande área inundada. Sendo a vazão provocada pela ruptura muito superior à vazão média do corpo d’água, espera que a não representação da calha do leito regular tenha pouca influência nos resultados. Assim, foram construídos modelos com 15 diferentes calhas sintéticas, referentes às combinações possíveis de declividades longitudinais e transversais, adotando-se três valores para declividades longitudinais e cinco valores para declividades transversais.

Cohen et al. (2018) apresentam uma base de dados para a declividade longitudinal de corpos d’água em escala global (Global River-Slope geospatial dataset – GloRS), elaborada a partir de análise automatizada de modelos digitais de elevação. Os autores apresentam um histograma para as declividades longitudinais de rios com abrangência global, reproduzido na Figura 2. Nota-se declividade mediana de 6 ×10-4 m/m, com a quase totalidade das medições entre 10-1 m/m e 10-6 m/m. Sob a premissa de que barragens de até médio porte estão localizadas mais próximas à cabeceira das bacias, e, portanto, em vales com maior declividade longitudinal média, foram adotadas para construção das topografias sintéticas declividades longitudinais acima da mediana apresentada. Adotou-se valores entre 10-3 m/m e 10-2 m/m.

Figura 2 – Histograma das declividades longitudinais dos rios (COHEN et al., 2018)

Parta a declividade transversal, foram adotados valores de forma a resultar em razoável variabilidade de número de Froude para o escoamento em profundidade normal para a vazão de pico e os valores de coeficiente de rugosidade de Manning adotados. As Tabelas 3 e 4 apresentam, respectivamente, os valores adotados para as declividades longitudinais e transversais.

tabela 3 e 4

Para o comprimento da calha prismática, foi adotada a distância de 10km entre a seção da ruptura e o fim da modelagem. Essa distância foi adotada conforme extensão mínima para a Zona de Autossalvamento (ZAS) estipulada para barragens de mineração estipulada pela Resolução no 130/2023 da Agência Nacional de Mineração (ANM).

Definição de Cenários de Simulação para Análise de Sensibilidade

Foram modelados 120 cenários no total, com a utilização de 8 valores para o coeficiente de rugosidade de Manning para cada uma das 15 configurações geométricas de calha. Os valores para a declividade transversal (?) foram adotados de forma a resultar em razoável variabilidade de número de Froude para o escoamento em profundidade normal para a vazão de pico e valores de coeficiente de rugosidade de Manning adotados. A Tabela 5 apresenta os valores para o número de Froude para cada um dos cenários, com escala de cores entre verde e amarelo, indicando a magnitude relativa do número de Froude. Nota-se que foi coberta uma grande variedade de números de Froude (entre 0,05 e 0,86) inferiores a 1 (regime subcrítico de escoamento), de forma que uma grande variabilidade de possíveis configurações hidráulicas para o vale a jusante foi representada.

Tabela 5 – Número adimensional de Froude para regime normal de escoamento para cada cenário

Simulação Computacion

al e Compilação dos Resultados

A simulação computacional foi feita com utilização do software HEC-RAS 5.0.7, com cálculo unidimensional em regime não permanente. Como condições de contorno, foram adotados o hidrograma de ruptura na seção mais a montante (seção da ruptura) e a profundidade normal de escoamento na seção mais a jusante (10km a jusante da seção de ruptura). Foi adotada discretização das seções transversais de 25m, totalizando 400 seções de cálculo. O intervalo de cálculo (timestep) foi adotado como adaptativo em função do número de Courant. Para melhorar a estabilidade numérica dos modelos, foram computados 30 min de “aquecimento” do modelo, com vazão simulada variando de 1% a 10% da vazão de pico, conforme recomendado em Brunner, 2014), antes do início do hidrograma de ruptura.

As simulações foram conduzidas por meio da utilização de um controlador externo denominado HEC-RASController, capaz de acessar as funcionalidades do HEC-RAS automaticamente por meio da linguagem de programação Python (GOODELL, 2014). A partir de arquivos de geometria e condições de contorno previamente definidos, o algoritmo foi utilizado para ativar o solucionador numérico do HEC-RAS, variando o valor do coeficiente de rugosidade de Manning entre cada ativação. O algoritmo também foi utilizado para a compilação dos resultados do solucionador, registrando para seções transversais a 2,5 km e 7,5 km a jusante da brecha a elevação máxima da superfície de linha d’água e velocidade máxima de escoamento, além dos hidrogramas em cada seção. A partir do registro dos outputs da modelagem de cada cenário, foi possível a avaliação e comparação dos resultados obtidos, em função das variações de topografia e coeficiente de rugosidade de Manning.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Os resultados obtidos demonstram que há similaridade nas velocidades máximas (Figura 3) e profundidades máximas (Figura 4) observadas nas seções transversais localizadas a 2,5 km e 7,5 km a jusante da brecha. Nota-se também que existe tendência de redução da dispersão das velocidades máximas e aumento da dispersão das profundidades máximas em função do aumento do valor do coeficiente de Manning.

Figura 3 – Resultados para velocidades máximas nas seções 2,5 km e 7,5 km a jusante da brecha

Figura 4 – Resultados para profundidades máximas nas seções 2,5 km e 7,5 km a jusante da brecha

Nota-se também que existe tendência de redução da dispersão das velocidades máximas e aumento da dispersão das profundidades máximas em função do aumento do valor do coeficiente de Manning. Para se avaliar numericamente essa tendência, foram calculados os coeficientes de variação (CV) para os valores obtidos de velocidades máximas e profundidades máximas na seção transversal a 2,5 km a jusante da brecha (Tabela 6. Nota-se que há redução do coeficiente de variação para velocidades máximas e aumento do coeficiente de variação para profundidades máximas em função do aumento do coeficiente de Manning.

Tabela 6 – Coeficientes de variação para velocidades e profundidades máximas em função do coeficiente de Manning na seção localizada 2,5 km a jusante da brecha

Comparando cenários com um mesmo valor considerado para o coeficiente de Manning, a diferença entre os cenários é dada pela topografia. Dessa forma, a partir do resultado apresentado na Tabela 6, pode-se concluir que quanto maior o coeficiente de Manning adotado para a planície de inundação, menor é a influência das condições topográficas na velocidade máxima de escoamento, e maior é a influência das condições topográficas na profundidade máxima de escoamento. Sob um ponto de vista de delimitação de mancha de inundação em estudos de ruptura hipotética, esse resultado indica que em regiões de elevada rugosidade, a precisão do levantamento topográfico é ainda mais relevante para a delimitação acurada da mancha do que em regiões com menor rugosidade.

Também foi possível observar que a variação na velocidade máxima entre o valor mínimo e máximo do coeficiente de Manning para cada classe de cobertura de solo decresce à medida que aumenta o valor de Manning (Figura 5 e Tabela 7). Assim, para coberturas de solo que representam menor resistência ao escoamento (menores rugosidades), a variabilidade possível de valores para o coeficiente de Manning, conforme indicado por Chow (1959) implica em maior variabilidade das velocidades e profundidades máximas obtidas pela modelagem. A variação observada para as profundidades máximas de escoamento é menor do que a variação observada para as velocidades máximas.

figura 5

Tabela 7 – Variações percentuais de velocidades e profundidades máximas em função do coeficiente de Manning, seção 2,5 km a jusante da brecha

Os resultados também mostraram que a variação das velocidades máximas e profundidades máximas para cada uma das classes de cobertura de solo é inferior à variação do próprio coeficiente de rugosidade de Manning (Tabela 7). Assim, pode-se dizer que o processo hidrodinâmico acaba por reduzir, na variabilidade dos resultados, a influência da variabilidade do coeficiente de Manning como parâmetro de entrada. Ainda assim, a sensibilidade das velocidades e profundidades máximas à variação do valor do coeficiente de Manning em uma mesma classe de cobertura de solo é significativa, de forma que é importante a cautela do profissional ao escolher para um determinado estudo, um valor de coeficiente de Manning dentro da faixa recomendada na literatura para a classe de cobertura de solo aplicável.

Por meio da comparação dos hidrogramas e efeitos hidrodinâmicos na propagação desses (Figura 6 e Figura 7), nota-se que o maior coeficiente de Manning implica em maior efeito de amortecimento e translação na propagação do hidrograma, de forma que as vazões de pico observadas a 7,5 km a jusante da brecha são mais abatidas e mais retardadas em relação ao que ocorre com menores valores de Manning. Quanto ao efeito da topografia, o vale mais aberto (Figura 6), resulta em maior efeito de translação e amortecimento em relação ao vale mais encaixado (Figura 7). Ambos os resultados são explicados devido à maior perda de energia imposta ao escoamento nos casos com maior rugosidade e vale mais aberto (no caso do vale mais aberto, isso ocorre devido ao maior raio hidráulico associado a uma mesma área de escoamento).

figura 6 e 7

Por fim, para a classe 1 de cobertura de solo, a diferença (amortecimento e translação) entre os hidrogramas para os valores inferior e superior de coeficiente de rugosidade é inferior à diferença observada para a classe 4, como pode ser observado na Figura 6 e Figura 7.

CONCLUSÕES

É nítida a diferença nos resultados da modelagem hidrodinâmica em função da escolha da classe de cobertura de solo. Para aplicações técnicas em estudos de ruptura hipotética, a escolha de um valor específico de coeficiente de rugosidade de Manning dentro da faixa possível de valores recomendados para a classe de ocupação de solo aplicável não é trivial, e os resultados apresentados indicam que essa escolha também pode implicar em variações significativas dos resultados da modelagem. Dessa forma, este estudo ressalta a importância da cautela na escolha do valor para esse parâmetro de entrada, assim como da necessidade de se desenvolver análises de sensibilidade para casos específicos de estudo, visto que foi demonstrado que o efeito da variação do coeficiente de Manning é dependente das condições topográficas do vale estudado.

Apesar das especificidades relacionadas a cada caso em estudos de ruptura de barragens, a análise sintética proposta no presente estudo permitiu uma melhor compreensão da influência do Coeficiente de Manning em função de aspectos topográficos mais gerais que podem ser facilmente

senvolver estudos detalhados. Sob um ponto de vista de delimitação de mancha de inundação em estudos de ruptura hipotética, os testes de sensibilidade realizados nesse estudo, com base em topografias sintéticas, indicaram que em regiões de elevada rugosidade, a precisão do levantamento topográfico é ainda mais relevante para a delimitação acurada da mancha do que em regiões com menor rugosidade. Os resultados também indicaram que para vales com elevada rugosidade, é esperada menor variação das velocidades máximas em função da topografia e da variação do coeficiente de Manning em relação a vales com baixas rugosidades. Outra conclusão obtida foi de que para vales com elevada rugosidade, a influência da variação do coeficiente de Manning no amortecimento das vazões de pico é maior do que para baixas rugosidades, resultando em maior retardo do hidrograma e, portanto, maior tempo para máxima inundação.

Por fim, indica-se como oportunidades para estudos futuros o desenvolvimento de análises de sensibilidade similares às propostas nesse trabalho, agregando mais simulações, com calhas prismáticas de outras seções transversais além da triangular, e com maior abrangência de declividades longitudinais. Também aparece como uma oportunidade interessante a simulação do escoamento de fluidos de comportamento não newtoniano, avaliando-se, da mesma forma que proposto nesse estudo, a relevância da influência de parâmetros reológicos em função de diferentes características geométricas de vales e planícies de inundação.

AGRADECIMENTOS – Os autores agradecem à CAPES, ao CNPQ, à FAPEMIG e à UFMG pelo amparo concedido para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao tema.

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