Influência da Sazonalidade nos Fatores de Segurança de um Maciço Terroso

Ingrid Belcavello Rigatto
Engenheira Civil, Pimenta de Ávila Consultoria, Belo Horizonte, Brasil, ingrid.rigatto@pimentadeavila.com.br

Guilherme Henrique da Silva Pinto
Engenheiro Civil, Pimenta de Ávila Consultoria, Belo Horizonte, Brasil, guilherme.henrique@pimentadeavila.com.br

Sabrina de Paula Ferreira
Engenheira Civil, Pimenta de Ávila Consultoria, Belo Horizonte, Brasil, sabrina.ferreira@pimentadeavila.com.br

RESUMO: A condição de estabilidade de estruturas geotécnicas, como barragens de contenção de rejeitos, está sujeita a diversas variáveis externas ou intrínsecas dos materiais que compõem a estrutura. Tais variáveis podem variar com o tempo, como as poropressões advindas da variação nível freático. Dessa forma, o presente trabalho tem por objetivo analisar a variação do Fator de Segurança (F.S.) de uma estrutura provocada pela variação sazonal do nível de água do maciço com base na em análises de estabilidade acopladas ao modelo de fluxo. A seção geológico-geotécnica da barragem de mineração em análise é instrumentada com quatro piezômetros elétricos de corda vibrante instalados nos dois materiais de fundação em elevações diferentes. Os instrumentos possuem um histórico de poropressão auscultada de aproximadamente 2 anos de monitoramento, permitindo a caracterização do fluxo. Os F.S. obtidos ao longo do tempo foram comparados com os níveis de controle piezométricos, sendo observado que a estrutura apresenta diferentes condições de estabilidade a depender do período analisado. Os resultados mostram como a pluviometria influencia na condição de estabilidade da estrutura, em um evento cíclico anual, como também demonstra a necessidade de reforço para o próximo período chuvoso.

PALAVRAS-CHAVE: Análises de Estabilidade, Fator de Segurança, Monitoramento, Níveis de Controle, Barragens.

ABSTRACT: The stability condition of geotechnical structures, such as tailings containment dams, is subject to several external or intrinsic variables of the materials that make up the structure. Such variables can vary over time, such as pore pressures arising from water table variation. Thus, the present work aims to analyze the variation of the Factor of Safety (F.S.) of a structure caused by the seasonal variation of the water level in the massif, using stability analyzes coupled to the flow model. The geological-geotechnical section of the mining dam under analysis is instrumented with four vibrating rope electric piezometers installed in the two foundation materials at different elevations. The instruments have a history of auscultated poropressure of approximately 2 years of monitoring, allowing for the characterization of the flow. The F.S. obtained over time were compared with the piezometric control levels, being observed that the structure presents different stability conditions depending on the analyzed period. The results show how rainfall influences the stability of the structure, in an annual cyclical event, as well as shows the necessity for reinforcement for the next rainy season.

KEYWORDS: Stability Analysis, Factor of Safety, Monitoring, Trigger Levels, Dams.

 

 

1 Introdução

A correta caracterização do perfil de poropressões e do fluxo desenvolvido em um maciço terroso é de suma importância na avaliação da estabilidade de estruturas, uma vez que a resistência e deformabilidade do solo são governadas pelas tensões efetivas, isto é, as tensões que são transmitidas entre os grãos do arcabouço

sólido do solo (Silveira, 2006). Tais poropressões podem variar ao longo do tempo, principalmente devido à sazonalidade a qual a estrutura está exposta, sendo, em muitos casos, influenciada diretamente pelo regime pluviométrico da região.

Para a caracterização do fluxo e da pressão de água de uma determinada estrutura é comum a realização de ensaios de piezocone (CPTu) com ensaios de dissipação de poropressão e instalação de instrumentos de auscultação que meçam a poropressão ou o nível de água no tempo, como piezômetros, poços, medidores de nível de água, dentre outros. Martin (1999) destaca que a caracterização assertiva do perfil de poropressões só é obtida pela múltipla instalação de piezômetros em profundidade, uma vez que a instalação de um único instrumento pode levar a erros de interpretação no fluxo desenvolvido numa seção, principalmente quando há a presença de um sistema de drenagem de fundo, seja ele natural ou artificial.

Silveira (2006) detalha a existência de diversos tipos de piezômetros, como os de Casagrande (Standpipe), pneumáticos, hidráulicos de dupla tubulação, elétricos de corda vibrante, dentre outros. Cada tipo de piezômetro possui aspectos relevantes na instalação e operação dos instrumentos, podendo ser destacado a confiabilidade das leituras e o tempo de resposta dos instrumentos mediante a variação da rede de fluxo. Como o principal objetivo de tais instrumentos é mensurar as poropressões ao longo do tempo, eles podem ser indicados para todo o ciclo de vida útil da estrutura, desde o período de construção, operação e até o fechamento. Além disso, Martin (1999) demonstra que a correta caracterização do perfil de poropressões é atividade essencial na avaliação da estabilidade de uma estrutura, ilustrando aspectos relevantes na interpretação do perfil de pressão de água em barragens de rejeito.

Com o objetivo de auxiliar na avaliação da condição de estabilidade da estrutura, o Padrão Global da Indústria para a Gestão de Rejeitos (Global Industry on Tailings Management – GISTM) define a utilização do Plano de Ativação de Ações de Resposta (Trigger Action Response Plans – TARPs) como medidas a serem tomadas quando há algum desvio do desempenho esperado de uma estrutura (GTR, 2020). No caso específico do modo de falha por deslizamento, é comum a definição de níveis de controles piezométricos, os quais consistem na avaliação do Fator de Segurança (F.S.) específicos (por exemplo, F.S.=1,50) com base em freáticas hipotéticas e poropressões estimadas por análises de percolação. O objetivo de tais níveis de controle é fornecer uma estimativa rápida da condição de estabilidade da estrutura, sendo uma ferramenta para a gestão de segurança.

A utilização dos níveis de controle piezométricos não exime a responsabilidade de realização de análises de estabilidade periódicas para a avaliação da estabilidade da estrutura, com o objetivo de obter fatores de segurança condizentes com as reais condições de campo, em detrimento das freáticas hipotéticas simuladas para obtenção dos níveis de controle. Cabe ressaltar a importância de que todos os instrumentos de uma seção sejam avaliados em conjunto, de forma a permitir a compreensão adequada de uma possível situação de risco. Caso algum instrumento atinja determinado nível de controle, isto não implica no fato de que a seção em análise esteja com um fator de segurança correspondente ao nível atingido. Neste caso, análises de estabilidade devem ser realizadas no intuito de se obter o F.S. da estrutura que mais se aproxima das condições de campo, no intuito de definir quais TARPs devem ser adotadas.

Dessa forma, com o objetivo de avaliar a influência da sazonalidade na condição de estabilidade de uma estrutura, o presente trabalho apresenta a variação do F.S. ao longo do tempo, com base na calibração de múltiplas redes de fluxo. Para tal, foram realizadas análises de estabilidade pelo método de equilíbrio limite acopladas com análise de fluxo para diferentes épocas do ano, sendo as superfícies freáticas estimadas a partir do histórico de leituras dos instrumentos presentes na seção. Os F.S. obtidos foram comparados com os níveis de controle piezométricos conforme detalhado ao longo do trabalho.

2 Metodologia

Foi realizada avaliação de uma seção transversal instrumentada com piezômetros elétricos de uma barragem de contenção de rejeitos, como detalhado na Figura 1. A estratigrafia da seção é composta por 4 materiais, identificados a partir das informações disponíveis como projeto, documentos de como construído (as built) e investigações geológico-geotécnicas:

  1. rejeito argiloso (localizado à montante da estrutura);
  2. aterro compactado;
  3. argila de fundação; e
  4. argila de fundação profunda.

Os parâmetros de resistência ao cisalhamento, bem como as permeabilidades dos materiais da seção foram determinados em laboratório como detalhado em sequência (Tabela 1).

A seção instrumentada é composta por 4 instrumentos elétricos de corda vibrante (Vibrating Wire Piezometer – VWP), sendo os instrumentos VWP-01 e VWP-03 instalados no material denominado argila de fundação e os instrumentos VWP-02 e VWP-04 instalados na argila de fundação profunda. Além disso, a seção possui uma régua para o monitoramento do nível de rejeito.

Os modelos de fluxo foram calibrados com base nas leituras dos instrumentos com datas correspondentes ao período de estiagem (julho a novembro) e ao período de chuvas (dezembro a junho). O nível do rejeito se manteve constante (aproximadamente na elevação 134,0m) durante o período analisado por se tratar de uma estrutura temporariamente desativada (sem deposição de rejeitos). A Figura 2a ilustra a variação da carga total e a Figura 2b a variação das poropressões (em metros de coluna de água – m.c.a.) que foram mensurados nos instrumentos elétricos ao longo de dois anos.

figura 1 e 2

Para o estudo de modelagem de fluxo foi utilizado o programa Slide2 desenvolvido pela empresa canadense Rocscience. A malha de elementos finitos e a tolerância utilizada na modelagem foram ajustados de modo que o resultado do modelo de fluxo fosse o mais próximo possível da realidade, buscando evitar erros provenientes de instabilidade numérica. Tais parâmetros foram mantidos constantes entre as análises, seja ela representativa do período de chuva ou de estiagem.

Após a modelagem de fluxo, as poropressões obtidas foram acopladas para a realização de análises de estabilidade, considerando parâmetros de resistência não drenados para os materiais contráteis localizados abaixo da linha freática (estimada pela instrumentação) e parâmetros drenados (efetivos) acima da linha freática. Os parâmetros de resistência dos materiais foram obtidos por ensaios do tipo triaxial de compressão realizados segundo a norma americana D4767-11 (ASTM, 2011). As condutividades hidráulicas foram obtidas segundo a norma brasileira NBR 14.445 (ABNT, 2000).

Para a determinação dos fatores de segurança, foi utilizado a metodologia de Morgenstern e Price (1965), visto que o método satisfaz o equilíbrio de forças e momento (metodologia rigorosa), sendo utilizadas superfícies de ruptura não circulares otimizadas. A Tabela 1 apresenta o resumo dos parâmetros de resistência e de condutividade hidráulica para a condição saturada utilizados.

3 Resultados e Discussão

A Figura 3 apresenta duas análises de estabilidade, sendo uma representativa do período chuvoso correspondente a data 09/06/2020 (Figura 3a) e uma do período de estiagem, correspondente a data 21/09/2020 (Figura 3b). A Tabela 2 indica os valores de poropressões medidos pela instrumentação e os estimados pelo modelo numérico no período chuvoso, visto que no período de estiagem os instrumentos apresentam poropressões nulas. Como pode ser observado na Tabela 2 o modelo de fluxo se encontra bem calibrado com variações entre a poropressão medida e estimada pelo modelo numérico da ordem de ±0,40m.c.a.

figura 3

tabela 2

 

Observa-se pela Figura 2 que os instrumentos localizados na
piezométricas entre o período de setembro de 2020 a fevereiro de 2021, conforme esperado para o período de estiagem. Com o início do período de chuvas, nota-se um acréscimo das poropressões medidas pelos instrumentos, observando-se uma relação com a pluviometria da região. Ressalta-se que durante todo o período em análise o nível de rejeito mensurado pela régua linimétrica na seção não sofreu variações, visto que não houveram lançamentos de rejeito na estrutura. Dessa forma, as variações piezométricas observadas pelos instrumentos advêm da pluviometria, uma influência puramente sazonal. Além disso, pelo gráfico de monitoramento da Figura 2, nota-se a formação de uma freática horizontal, sem a influência da saturação do rejeito nas poropressões medidas pelos instrumentos, sendo estabelecida uma relação direta entre a pluviometria e a poropressão auscultada pelos piezômetros.

Os níveis de controle piezométricos da seção foram definidos com base nas boas práticas internacionais, utilizando análises de fluxo acopladas às análises de estabilidade. Para tal, foram adotados parâmetros de resistência não drenados para os materiais contráteis abaixo da linha freática estimada e parâmetros drenados nos demais materiais da seção. Os F.S. adotados para a definição dos níveis de controle adotados são:

  1. condição “normal” de operação: F.S.≥1,50;
  2. nível de “atenção”: 1,50>F.S.≥ 1,30;
  3. nível de “alerta”: 1,30>F.S.≥1,10; e
  4. nível de “emergência”: F.S.<1,10.

A Figura 4 apresenta a variação do F.S. no tempo com base nas análises de estabilidade realizadas. Além disso, é apresentada a comparação com os níveis de controle piezométricos supracitados e o índice pluviométrico observado durante o período.

figura 4

Com base na Figura 4, observa-se que o período mais crítico para a seção analisada se encontra entre maio e junho, especialmente no período chuvoso de 2020, quando o menor F.S. obtido foi de 1,28, indicando que a estrutura estaria no nível de controle “alerta”. No restante do período chuvoso, o F.S. da estrutura variou entre 1,30 e 1,50, sendo indicado o nível de controle “atenção”. Já no período de estiagem, entre julho de 2020 a janeiro de 2021 assim como a partir de julho de 2021, devido a uma redução do índice pluviométrico e das poropressões no interior do maciço, foram obtidos F.S.>1,50, indicando que a estrutura estaria em uma condição “normal” de operação.

4 Conclusão

A norma brasileira NBR 13.028 (ABNT, 2017) determina um F.S. mínimo maior ou igual a 1,50 (F.S.min≥1,50) para a condição normal de operação e, dessa forma, observa-se na Figura 4 que a seção em análise não atenderia o critério mínimo de segurança durante o período de chuvas. Dessa forma, ressalta-se a necessidade da contínua avaliação das condições de estabilidade da estrutura, visto a influência da sazonalidade nas poropressões dos instrumentos e, em última instância, no F.S. obtido. Além disso, ressalta- se que, caso a avaliação da condição de estabilidade da estrutura se balizasse apenas no modelo de fluxo calibrado no período de estiagem, que corresponde ao maior intervalo do ano, não seria detectada a necessidade de reforço da estrutura, uma vez que a redução do F.S. ocorre apenas no período chuvoso.

Além disso, destaca-se a importância da definição dos níveis de controle piezométricos como ferramenta para estimativa do intervalo de F.S. da estrutura ao longo do tempo, sendo observado que a seção em análise transitou entre os níveis de controle estabelecidos ao longo dos registros de monitoramento. Ressalta-se também a importância do histórico de monitoramento para um melhor entendimento do comportamento do fluxo na estrutura. Por fim, nota-se que, para atendimento ao F.S. mínimo estabelecido pela NBR 13.028 (ABNT, 2017), a seção em análise deve ser reforçada para o próximo período de chuvas visto que a variação do F.S. advém de um fenômeno sazonal e cíclico de recorrência anual.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio e o incentivo da Pimenta de Ávila Consultoria na realização desta publicação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

American Society for Testing and Materials – ASTM (2011). D4767-11. Standard Test Method for Consolidated Undrained Triaxial Compression Test for Cohesive Soils, ASTM International, West Conshohocken, PA.

Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (2017). NBR 13.028. Mineração – Elaboração e apresentação de projeto de barragens para disposição de rejeitos, contenção de sedimentos e reservação de água – Requisitos. Rio de Janeiro.

Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (2000). NBR 14.445. Solo – Determinação do coeficiente de permeabilidade de solos argilosos a carga variável. Rio de Janeiro.

Global Tailings Review – GTR (2020). Global Industry Standard on Tailings Management – GISTM. Disponível em: <https://globaltailingsreview. org/global-industry-standard>. Acesso em 08 nov. 2021.

Martin, T. E. (1999). Characterization of pore pressure conditions in upstream tailings dams. Tailings and Mine Waste ’99, Fort Collins, Colorado. A. A. Balkema, Rotterdam, p. 303-313.

Morgenstern, N. R.; Price, V. E. (1965). The Analysis of the Stability of General Slip Surfaces. Géotechnique, 15, p. 79-93.

Silveira, J. F. A. (2006). Ensaios de campo e suas aplicações à engenharia de fundações. 3o ed., Oficina de Textos, São Paulo.

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