Mapeamento de Espelhos D’Água de Reservatórios e suas Áreas com o Sentinel-1

Pedro Lucas Bernardo Costa 1 ; Yan Ranny Machado Gomes 2 ; Christopher Freire Souza 3 & Carlos Ruberto Fragoso Júnior 4

Abstract: The present paper brings an application to map reservoirs’ water bodies and their respective flooded areas and levels. For such, we applied Google Earth Engine and data acquired by the Synthetic Aperture Radar (SAR) Sentinel-1. The algorithm for such mapping uses the focal median filter and a Python library to convert the areas into levels. In this preliminary approach, the method mapped only the water and non-water regions around 3 reservoirs (Xingó, Santa Clara and Sobragi) and the water level behavior of the Santa Clara reservoirs (medium size), with and equivalent area of 20 km2, obtaining an average area of 11.52 km2.

Resumo: O presente trabalho traz uma aplicação para mapear corpos d’água de reservatórios e suas respectivas áreas e níveis de inundação. Para isso, aplicamos o Google Earth Engine e dados adquiridos pelo Synthetic Aperture Radar (SAR) Sentinel-1. O algoritmo para tal mapeamento utiliza o filtro de mediana focal e uma biblioteca do Python para converter as áreas em níveis. Nessa abordagem preliminar, o método mapeou, apenas, as regiões com água e não água ao redor de 3 reservatórios (Xingó, Santa Clara e Sobragi) e o comportamento do nível d’água do reservatório Santa Clara (médio porte), com área equivalente de 20 km2, obtendo uma área média de 11,52 km2.

Palavras-Chave – Google Earth Engine (GEE); mediana focal; reservatórios.

1) Centro de Tecnologia, Universidade Federal de Alagoas, Av. Lourival de Melo Mota, Maceió, 57072-900, Al, Pedro.bernardo@ctec.ufal.br

2) Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Pernambuco, Av. da Arquitetura, s/n, 50740-550, Recife –PE, yanr.machado@gmail.com

3) Centro de Tecnologia, Universidade Federal de Alagoas, Av. Lourival de Melo Mota, Maceió, 57072-900, Al, christopher.souza@ctec.ufal.br

4) Centro de Tecnologia, Universidade Federal de Alagoas, Av. Lourival de Melo Mota, Maceió, 57072-900, Al, ruberto@ctec.ufal.br

INTRODUÇÃO

Barragens são soluções historicamente aplicadas para regularizar a disponibilidade hídrica, possibilitar a geração de energia e a acumulação de rejeitos de mineração. Os impactos sociais e econômicos da modificação de processos físicos, químicos e biológicos têm representado preocupação da sociedade, em particular, após os rompimentos das barragens de Mariana e Brumadinho (CHAGAS, 2023). Ações parlamentares recentes marcam o interesse por limitar e garantir a prevenção de novos desastres (MINAS GERAIS, 2019).

A Política Nacional de Infraestrutura Hídrica (BRASIL, 2021) para ser efetiva depende diretamente de atividades de órgãos estaduais para caracterizar as barragens estaduais. No entanto, nem todas as barragens são de conhecimento do órgão gestor. Um caso comum é o da construção e início da operação de barragens de menor porte acontecerem anteriormente à definição de procedimentos para outorga e licenciamento de barragens. Outra possibilidade é o estado não utilizar ainda procedimentos ágeis e baratos para acompanhamento da operação das barragens.

O uso de sensoriamento remoto pode auxiliar nessas questões, a partir da classificação de água por meio de imagens de satélites orbitais. Contudo, satélites equipados com sensores ópticos enfrentam desafios significativos ao lidar com a nebulosidade (DUY, 2015). O uso de imagens SAR (Synthetic Aperture Radar) apresenta uma abordagem mais recente e promissora, pois supera a barreira da nebulosidade de forma eficiente.

Dentro desse contexto, busca-se encontrar formas de localizar espelhos d’água que possam indicar a presença de barragens, de forma a preparar equipes de fiscalização para inspeções in loco, bem como, a possibilidade de acompanhar a operação remota de barragens pela variação temporal de suas áreas de inundação e respectivas cotas.

A disponibilização do serviço computacional Google Earth Engine (GEE) parece oferecer uma solução destas questões (KUMAR & MUTANGA, 2018). Com tal ferramenta, tanto especialistas em barragens, como a população no geral serão beneficiados. Pois os espelhos d’água de reservatórios e suas cotas poderão ser obtidos sem a necessidade de visita à campo.

O presente artigo explora o uso das imagens SAR do satélite Sentinel-1 para o monitoramento de espelhos d’água de reservatórios. Através dessa abordagem, busca-se fornecer uma solução eficaz e de baixo custo para identificar e acompanhar as variações espaciais e temporais das áreas inundadas, visando a aprimorar a gestão e a segurança dos reservatórios.

METODOLOGIA

A seguir um fluxograma demonstrando os passos seguidos para a elaboração do estudo:

Figura 1 – Fluxograma das etapas envolvidas no estudo

O mapeamento remoto de barragens depende da disponibilidade de imagens e da capacidade computacional para o processamento dessas. O GEE entra como facilitador desses 2 processos, pois ele possui um catálogo de imagens de satélite atualizadas, além de depender somente de uma boa conexão de internet, superando barreiras de capacidade computacional. Para verificar a aplicabilidade do GEE para mapear a presença e a área inundada de barragens foi necessário uma série de requisitos/estudos.

Os dados do Radar de Abertura Sintética (SAR) Sentinel-1 foram usados devido à sua operação na banda-C nas micro-ondas. Isso significa que ele ignora condições de iluminação, climáticas e tem melhor resposta no mapeamento de espelhos d’água comparadas às imagens ópticas (WAN et al. 2019). Os modos de polarização utilizados neste estudo foram 2: imagens VV (Vertical-Vertical) e VH (Vertical-Horizontal). A polarização se refere à orientação da onda eletromagnética emitida pelo radar e sua interação com a superfície. Nesse caso, ambas as ondas foram emitidas na vertical e, após interagir com a superfície, a polarização recebida foi vertical (para VV) e horizontal (para VH). Os modos de polarização foram utilizados para obter a área inundada da imagem e compará-los. Além disso, Softwares de geoprocessamento, como o QGIS, foram detalhadamente estudados para entender como um programa de processamento de imagens deve operar.

A partir disso, os reservatórios foram escolhidos para fazer uma análise e obter as respectivas áreas e cotas. Os reservatórios escolhidos foram: o de Xingó, Santa Clara e Sobragi, pois eles apresentavam dois critérios úteis para o trabalho: i) disponibilidade de dados de medição de nível, obtidos no site da Agência Nacional de Águas (ANA) e ii) dados das curvas cota x área x volume obtidos no mesmo site para validação dos resultados da aplicação do GEE. Para além dos critérios já citados, os reservatórios possuem tamanhos distintos.

O reservatório da Usina Hidrelétrica (UHE) de Xingó foi usado por ser um reservatório de grande porte, de aproximadamente 60 km2, segundo a ANA em seu portal de informações sobre reservatórios (https://metadados.snirh.gov.br/). Logo, o método escolhido foi validado com a comparação dos resultados das cotas calculadas e medidas. Para avaliar os dados foi escolhido um período de um ano (2022) para a filtragem, pois assim a visualização dos resultados ficaria mais legível. Ao todo, o satélite Sentinel-1 possuía 30 dados (imagens) para essa região no ano de 2022. Logo, avaliou-se esses dados com os dados de nível diários do reservatório disponibilizados pela ANA. Para realizar a comparação pareamos os dados de nível calculados através do satélite com os medidos in loco fornecidos pela ANA.

Como passo seguinte, a área de teste mudou para o reservatório da UHE de Santa Clara devido ao seu porte médio de aproximadamente 20,15 km2, segundo a Centrais elétricas do Rio Jordão S.A (ELEJOR). Por fim, testou-se o código para o reservatório da UHE Sobragi, tal reservatório é de pequeno porte, aproximadamente 0,03 km2, segundo a ANA.

Com os reservatórios definidos iniciou-se o desenvolvimento do código no editor de código do Google em JavaScript, pois seu catálogo de dados já traz uma coleção de imagens do SAR Sentinel- 1 (Figura 2).

Figura 2 – Catálogo de dados do Earth Engine

Logo após, um polígono foi criado pela ferramenta geométrica (Figura 3). A função do polígono é limitar a área de classificação para evitar a identificação incorreta de espelhos d’água (que não componham o reservatório) e diminuir o tempo de processamento. Para delimitar a geometria utilizamos como referência a data que a barragem atingiu seu nível máximo no ano escolhido para comparação. Escolhemos este critério para evitar subestimar a área inundada.

Figura 3 – Tela de criação da geometria do reservatório Santa Clara

Prévia a classificação, aplicamos o método de filtragem da mediana focal para a redução de ruídos na imagem. O filtro seleciona uma região da imagem de raio conhecido e calcula a mediana dos valores dos pixels daquela região da imagem (Figura 4). Tal método é amplamente utilizado na literatura em estudos que classificam áreas de água e não-água (VANDERHOOF et al., 2023; MENGEN et al. 2020; AHMAD et al., 2020).

Figura 4 - Diferença da imagem da UHE Santa Clara original para a filtrada

Calibramos o limiar de retroespalhamento do método de classificação por tentativa e erro. Este parâmetro quantifica o quanto do sinal emitido pelo satélite foi refletido. Para escolha do melhor valor, utilizamos o método dos mínimos quadrados, comparando os valores de área estimados com os medidos in loco (1), para obter o limiar que apresentava o menor desvio.

? = ∑(?? − ??)2                                                      (1)

Sendo:

• D = Desvio por limiar;
• ?? = Cota medida para o dia i;
• ?? = Cota calculada para o dia i;

Para classificar a imagem em pixels como água e não-água utilizamos o limiar de retroespalhamento calculado pela equação supracitada para identificar os corpos d’água contidos no polígono criado.

Por fim, calculou-se a área inundada do reservatório com a função pixelArea do GEE, converteu-se as áreas em cotas através da curva cota x área x volume e da biblioteca Python Pynverse, e finalmente comparou-se os valores calculados com os medidos, para a resolução temporal de 10 m.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A seguir estão apresentados os resultados obtidos para os 3 reservatórios testados no estudo: Xingó, Santa Clara e Sobragi.

A Figura 5 traz a comparação dos dados medidos com os calculados para o reservatório Xingó. Os dados do GEE (em laranja) deveriam ter um comportamento semelhante aos dados da ANA (azul), porém não cumpriram tais critérios. Tal erro pode estar relacionado ao método de classificação de água usando apenas o limiar de retroespalhamento. Pois este limiar pode levar a ineficiências no modelo ao requerer esforço inapropriado reduzindo a efetividade da resolução espacial que torna-se desvantajoso no mapeamento de estreitos curso d’água, pequenas planícies inundáveis e lagos, ver Vanderfoof et al. (2023).

Figura 5 – Comparação entre os dados medidos (ANA) e os calculados (GEE) para Xingó

Seguindo o método dos mínimos quadrados, o mesmo limiar de retroespalhamento, assim como modo de polarização e período em análise que foram utilizadas no reservatório de Xingó foram usadas para o de Santa Clara mesmo o reservatório não estando situado na região Nordeste. A avaliação é apresentada na Figura 6.

Figura 6 – Comparação entre os dados medidos (ANA) e os calculados (GEE) para Santa Clara

Nota-se que a aplicação conseguiu captar levemente a real tendência do reservatório, porém distante dos dados reais. Mudanças na polarização, no limiar de retroespalhamento e o refinamento da geometria não interferiram no comportamento do gráfico.

E para o Sobragi, por apresentar uma área muito pequena, o código não conseguiu converter os valores das áreas em cotas adequadamente, pois a função da biblioteca Pynverse que realiza tal conversão não conseguiu operar para valores de áreas muito baixos, entre 0,01 e 0,04 km2. Logo, um método alternativo à biblioteca Pynverse deve ser elaborado e será alvo de estudos futuros pelos autores.

Ao comparar a área inundada para todos os reservatórios utilizando as polarizações VV e VH, notamos uma discrepância entre as estimativas (

Tabela 1). Em todos os reservatórios, a polarização VV subestimou os resultados. A polarização VH foi mais exata nas estimativas, concordando com a literatura, ver Bangira et al., 2019. O coeficiente de retroespalhamento da polarização VV pode ser afetado pela turbidez e pela ação do vento no espelho d’água (Bangira et al., 2019; Clement et al., 2018) tornando-o mais sensível à variação entre superfícies de água e não água. Para aproveitar vantagens de ambas as polarizações, métodos mistos utilizando ambas as polarizações podem ser utilizados, ver Zhang et al. 2021.

Tabela 1 – Área inundada em km2 por modo de polarização

Tabela 1 – Área inundada em km2 por modo de polarização

Embora o método não tenha apresentado resultados com acurácia, ele conseguiu mapear os espelhos d’água, ver Figura 7. Essa abordagem pode ser considerada uma ferramenta de baixo custo para identificar áreas inundadas e auxiliar na fiscalização, especialmente na detecção de reservatórios. Pois, como já citado, os órgãos fiscalizadores ainda carecem de ferramentas práticas para a obtenção dos espelhos d’água dos reservatórios, que serão levadas em conta, apenas, quando um processo de outorga ou licenciamento for necessário para regularizar o uso da barragem.

Figura 7 – Água do Reservatório Santa Clara mapeada pelo algoritmo

Figura 7 – Água do Reservatório Santa Clara mapeada pelo algoritmo

Como abordagem futura, uma melhora no método de classificação pelo limiar de retroespalhamento pode ser considerada, para que o esforço apropriado seja aplicado no mapeamento e uma função para converter área em cota pode ser desenvolvida para englobar reservatórios de todos os tamanhos.

CONCLUSÃO

Nesse estudo, buscamos mapear espelhos d’água em reservatórios e monitorar os níveis em um período de um ano. Para isso, aplicamos o método para mapear os corpos hídricos utilizando a plataforma do GEE como base, utilizando imagens do SAR Sentinel-1, filtrando os ruídos da imagem através da mediana focal, mapeando água pelo limiar de retroespalhamento e convertendo sua área em cota por meio da função Pynverse. Os resultados mostraram que o método conseguiu identificar espelhos d’água, mas não com uma razoável acurácia para ser uma técnica de monitoramento de reservatórios. Estudos futuros podem ser feitos para melhorar a classificação pelo limiar de retroespalhamento e criar ou refinar uma função já existente para a conversão de área em cota.

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer ao professor Manoel Mariano Silva por suas dicas em lidar com imagens de satélite.

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