Wellerson SILVA BASTOS
Engenheiro civil, Msc. Inovação Tecnológica – Pimenta de Ávila Consultoria
Marcos PIMENTA DE ÁVILA FILHO
Engenheiro civil, Msc. Geotecnia – Pimenta de Ávila Consultoria
Marcos PIMENTA DE ÁVILA
Consultor – Pimenta de Ávila Consultoria
Sebastião ANTÔNIO SILVA
Consultor – Pimenta de Ávila Consultoria
Marina MARTINS FERREIRA
Graduanda em Eng. Civil. Aux. de engenharia – Pimenta de Ávila Consultoria
RESUMO
A instrumentação de monitoramento é uma ferramenta essencial para a gestão de riscos em empreendimentos hidrelétricos, abrangendo estruturas como barragens de terra/enrocamento, de concreto, vertedouros, casas de força, dentre outras. Essa instrumentação possibilita a avaliação contínua de variáveis físicas, como deslocamentos, pressões, vazões e deformações, em todas as fases do ciclo de vida das estruturas: construção, enchimento, operação e descomissionamento. No Brasil, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) regula 826 barragens em operação das quais 60% possuem mais de três décadas de operação. Esse cenário pode resultar em instrumentos ineficientes, com possíveis falhas devido ao desgaste ou até mesmo perda de sua função que, mesmo comprometidos, continuam sendo utilizados para leituras e avaliações. Este trabalho propõe diretrizes técnicas e uma metodologia sistematizada para inventariar e avaliar a eficácia dos instrumentos de monitoramento comumente utilizados. São abordados aspectos práticos e sugeridos critérios para revisão de projetos, criação de checklists para inspeção visual e testes de funcionamento, levantamentos topográficos cadastrais e, por fim, critérios para a análise da operacionalidade desses instrumentos. As recomendações visam subsidiar um diagnóstico completo e prático do sistema de instrumentação das barragens existentes, o que, por conseguinte, irá suportar um monitoramento mais otimizado e aprimorado, em benefício operacional e de segurança das barragens.
ABSTRACT
Monitoring instrumentation is a fundamental tool for risk management in hydroelectric projects, encompassing structures such as earth and rockfill dams, concrete dams, spillways, powerhouses, among others. This instrumentation enables the continuous assessment of physical variables, such as displacements, pressures, flow rates, and deformations, throughout all phases of the structures’ lifecycle: construction, impoundment, operation, and decommissioning. In Brazil, the National Electric Energy Agency (ANEEL) regulates 826 operational dams, 60% of which have been in service for over three decades. This scenario can lead to inefficient instruments, with potential failures due to wear or even complete loss of function. Despite being compromised, these instruments are often still used for readings and evaluations. This work proposes technical guidelines and a systematized methodology for inventorying and assessing the effectiveness of commonly used monitoring instruments. Practical aspects are addressed, and criteria are suggested for project reviews, the development of checklists for visual inspections and functionality tests, cadastral topographic surveys, and, finally, for analyzing the operational capacity of these instruments. The recommendations aim to provide a comprehensive and practical diagnosis of the instrumentation systems of existing dams, which, in turn, will support more optimized and enhanced monitoring, benefiting both operational efficiency and dam safety.
1. INTRODUÇÃO
A segurança de barragens em empreendimentos hidrelétricos é uma preocupação estratégica para a gestão de riscos e para a garantia da integridade estrutural, operacional e ambiental dessas infraestruturas. Falhas nessas estruturas podem causar perdas humanas, impactos ambientais severos e danos econômicos irreparáveis. Dessa forma, o monitoramento contínuo do comportamento estrutural e geotécnico das barragens é essencial para detectar precocemente qualquer anomalia ou tendência desfavorável.
No Brasil, a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), instituída pela Lei nº 12.334/2010, estabelece os princípios e diretrizes para assegurar a segurança de barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, inclusive geração de energia elétrica [1]. No âmbito das usinas hidrelétricas, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por meio da Resolução Normativa nº 1.064/2023, especifica critérios técnicos, procedimentos e exigências operacionais que abrangem desde o Plano de Segurança de Barragens (PSB) até a manutenção e operação dos instrumentos de auscultação [2].
A instrumentação de monitoramento representa um dos pilares do sistema de segurança de barragens. Ela viabiliza a coleta sistemática de dados referentes a deslocamentos, recalques, pressões intersticiais (poropressões), subpressões, vazões internas, deformações e variações de temperatura. Essas variáveis, quando acompanhadas de forma adequada, permitem o diagnóstico do comportamento da estrutura e subsidiam decisões técnicas relacionadas à operação, manutenção, reabilitação ou descomissionamento [3] e [4]. Além disso, a instrumentação confiável é essencial para a elaboração de Planos de Ação de Emergência (PAE), conforme previsto na legislação brasileira, oferecendo suporte técnico à gestão de crises e à mitigação de riscos para populações a jusante.
Contudo, apesar da reconhecida importância dos sistemas de instrumentação, muitos empreendimentos no Brasil enfrentam desafios críticos relacionados à obsolescência tecnológica, falhas de operação, ausência de manutenções periódicas e à carência de protocolos sistematizados para verificação da funcionalidade e confiabilidade dos instrumentos. De acordo com o Relatório de Segurança de Barragens da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico [5], aproximadamente 60% das barragens sob regulação federal possuem mais de 30 anos de operação, muitas delas com sistemas de monitoramento instalados ainda em sua construção, sem atualizações significativas desde então.
Esses fatores contribuem para a permanência de instrumentos inoperantes, desconectados, danificados ou com leituras comprometidas que, mesmo assim, continuam sendo utilizados em avaliações técnicas. Em situações extremas, a desconfiança por parte das equipes operacionais pode comprometer o valor da instrumentação como ferramenta de apoio à segurança, levando à sua descredibilização e, eventualmente, à descontinuidade do monitoramento.
A ausência de metodologias normatizadas e replicáveis para o inventário e a avaliação do funcionamento da instrumentação de barragens agrava essa problemática. Sem diretrizes claras, torna-se inviável garantir a confiabilidade das leituras, realizar a calibração adequada dos sensores ou mesmo identificar falhas estruturais nos sistemas de coleta e armazenamento dos dados.
Nesse contexto, este trabalho propõe diretrizes técnicas e uma metodologia sistematizada para a realização de inventários e avaliação da eficácia dos principais instrumentos de auscultação utilizados em estruturas civis de hidrelétricas. A proposta contempla quatro eixos de ação:
- Revisão e atualização dos projetos de instrumentação existentes;
- Elaboração de checklists técnicos para inspeções visuais e testes de funcionamento;
- Realização de levantamentos topográficos cadastrais com aferição de geometria instalada;
- Estabelecimento de critérios objetivos para análise da operacionalidade e da confiabilidade dos instrumentos.
Este estudo terá como foco principal o piezômetro tipo Casagrande, também conhecido como piezômetro standpipe, amplamente utilizado em barragens de terra zonadas com filtro vertical e tapete drenante. Embora o trabalho se restrinja a esse tipo de instrumento, a metodologia desenvolvida é aplicável a diversos outros tipos de instrumentos de monitoramento, como inclinômetros, células de carga, medidores de vazão e extensômetros. As etapas de levantamento de dados, definição de parâmetros de avaliação, interpretação de histórico de funcionamento e atualização de projeto podem ser adaptadas com facilidade às diferentes tipologias instrumentais.
Acredita-se que, com a implementação das diretrizes propostas, será possível aprimorar significativamente os sistemas de auscultação das barragens hidrelétricas brasileiras. Isso proporcionará maior confiabilidade às análises, fortalecerá os processos de decisão e contribuirá diretamente para a segurança operacional, ambiental e social das estruturas.
2. INTRODUÇÃO À METODOLOGIA PROPOSTA PARA INVENTÁRIO E AVALIAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE MONITORAMENTO
A confiabilidade dos dados provenientes da instrumentação de monitoramento em barragens hidrelétricas é um fator essencial para a segurança estrutural e operacional dessas obras. Conforme discutido no Item 1, a longevidade das estruturas e a ausência de rotinas padronizadas para inspeção e avaliação de instrumentos aumentam significativamente o risco de deterioração e falhas em sistemas de auscultação. Nesse contexto, torna-se imprescindível o desenvolvimento e a aplicação de uma metodologia técnica, prática e replicável para inventariar e avaliar o estado de funcionamento dos instrumentos existentes.
Este item apresenta uma metodologia fundamentada em diretrizes normativas nacionais e internacionais, como as da [3] e [4], ABNT NBR 12366 (2021) e [2]. A proposta foca especialmente em barragens em regime de operação, com ênfase em estruturas com mais de três décadas de funcionamento, nas quais a obsolescência e o comprometimento físico dos instrumentos são mais prováveis.
A metodologia está organizada em 4 etapas complementares:
- Preparação e análise documental (detalhada no item 3);
- Inventário técnico e georreferenciado dos instrumentos;
- Avaliação funcional, estrutural e operacional dos dispositivos;
- Consolidação dos dados, classificação técnica e elaboração de plano de ação.
Inventário Técnico e Georreferenciado
O inventário técnico é o ponto de partida para qualquer programa de avaliação da instrumentação. Seu objetivo é consolidar uma base de dados fidedigna sobre a localização, especificações e histórico de cada instrumento. A rastreabilidade das informações é crucial para que análises de segurança e desempenho possam ser conduzidas de forma técnica e documentada.
As informações mínimas a serem levantadas incluem:
- identificação do instrumento em campo;
- tipo e finalidade do instrumento;
- coordenadas geográficas (UTM) e cotas altimétricas (datum, topo, fundo, instalação);
- data de instalação e última inspeção documentada;
- existência e estado dos desenhos “as-built” e registros topográficos;
- condições de acessibilidade, visibilidade e segurança para leitura;
- estado de conservação física e indícios de obstruções ou contaminações;
- indícios de modificações não documentadas ao longo do tempo.
Esses dados devem ser preferencialmente registrados por meio de formulários digitais e integrados a sistemas georreferenciados (SIG), permitindo atualizações em tempo real e visualização integrada em plantas da estrutura. A inconsistência ou ausência dessas informações compromete diretamente a confiabilidade das análises de desempenho e segurança da estrutura.
Quando não for possível obter informações precisas sobre determinados instrumentos, sugere-se complementar o levantamento com dados indiretos, como registros operacionais, inspeções visuais, entrevistas com profissionais que atuaram na operação ou manutenção da estrutura, além da análise de registros fotográficos e documentos disponíveis, mesmo que parciais.
Na impossibilidade de identificação da finalidade ou confirmação do correto funcionamento de um instrumento, é recomendável que ele seja classificado como “instrumento de função desconhecida” até que sejam realizadas avaliações adicionais. Dependendo do contexto técnico e da criticidade da informação associada, poderá ser necessária a substituição, descomissionamento ou instalação de novos instrumentos, de forma a assegurar a confiabilidade do sistema de monitoramento.
Este processo de reconstrução do inventário deve ser devidamente documentado, mantendo registro claro das incertezas, limitações e hipóteses adotadas, garantindo assim rastreabilidade e suporte técnico às futuras análises de segurança da estrutura.
Avaliação Funcional e Operacional
Essa etapa visa identificar se os instrumentos estão fornecendo dados confiáveis, com base em inspeções visuais, testes de campo e análise crítica do comportamento histórico. Para isso, é necessário verificar tanto o estado físico do equipamento quanto a coerência das informações que ele produz.
A inspeção deve abranger:
- verificação da integridade da proteção do instrumento (tampa, caixa de leitura);
- presença de corrosão, deformações, trincas ou infiltrações visíveis;
- coerência entre cotas do projeto e medidas de campo (topo, fundo, instalação);
- presença de lama ou obstruções no tubo de leitura, quando aplicável;
- estado dos conectores, terminais e cabos, no caso de instrumentos elétricos;
- existência de componentes acessórios (tampa, etiqueta, tubo guia) em condições adequadas.
Além disso, deve-se avaliar:
- integridade e calibração dos equipamentos de leitura manual ou digital;
- intervalo e regularidade das leituras registradas;
- tendências históricas coerentes com o comportamento esperado da estrutura;
- alterações suspeitas nas medidas calculadas sem justificativa técnica ou causas esperadas.
Para piezômetros tipo Casagrande (standpipe), recomenda-se, quando tecnicamente viável, a execução de testes de equalização (recuperação ou dissipação), também conhecidos como “testes de vida ”. Estes, permitem avaliar a permeabilidade ao redor da célula e a resposta do piezômetro à inserção de carga adicional de água. Quando o tempo de recuperação observado difere significativamente dos parâmetros de projeto ou históricos anteriores, pode-se inferir comprometimentos como colmatação da célula ou intrusão de materiais finos. Contudo, conforme [6], a aplicação desses testes deve seguir critérios rigorosos para evitar riscos de ruptura hidráulica, sendo indicada a utilização de metodologias como a de [7].
Classificação Operacional e Plano de Ação
Com base nas inspeções e análises realizadas, cada instrumento deve ser classificado segundo sua condição operacional:
- Adequado: instrumento com funcionamento pleno, sem restrições de leitura ou integridade;
- Necessita de intervenção: apresenta pequenas anomalias, mas pode ser mantido com ações corretivas;
- Inadequado: dados inconsistentes, falhas estruturais ou sem condições mínimas de leitura.
Essa classificação operacional permite priorizar ações de manutenção, substituição ou desativação, estabelecendo um plano de ação estruturado e compatível com os recursos disponíveis. Os resultados devem ser documentados em relatórios técnicos com plantas georreferenciadas atualizadas e anexos fotográficos que registrem a condição dos instrumentos.
No Item 3, será demonstrada a aplicação prática da metodologia proposta por meio de um exemplo genérico, utilizando fichas eletrônicas desenvolvidas especificamente para a coleta e avaliação de piezômetros tipo Casagrande ou de tubo aberto. O objetivo é ilustrar, de forma clara e padronizada, como essa sistematização pode ser incorporada às rotinas de inspeção e análise técnica em barragens. A apresentação das fichas visa orientar profissionais quanto à estrutura ideal de registro, aos parâmetros mínimos a serem avaliados e à forma adequada de consolidar as informações em relatórios técnicos, contribuindo para o aumento da confiabilidade e da rastreabilidade dos dados da instrumentação.
3. APLICAÇÃO PRÁTICA DA METODOLOGIA
A aplicação prática da metodologia proposta no Item 2 visa demonstrar, por meio de um exemplo genérico, como sistematizar o inventário e a avaliação da instrumentação em estruturas civis de hidrelétricas, em especial os piezômetros tipo Casagrande (standpipe). Embora esta metodologia possa ser aplicada utilizando formulários físicos, ressalta-se que o uso exclusivo de fichas manuais apresenta limitações significativas quanto à consolidação, digitalização e rastreabilidade dos dados, podendo gerar inconsistências, erros de transcrição e perda de informações. Dessa forma, recomenda-se a adoção de formulários eletrônicos como alternativa mais eficiente e segura, garantindo padronização e integração com bancos de dados georreferenciados.
A seguir, descrevem-se as etapas de aplicação da metodologia, conforme estrutura apresentada anteriormente.
Preparação e Análise Documental
A primeira etapa para a aplicação da metodologia consiste na preparação técnica por meio da análise documental dos registros históricos e executivos da instrumentação. Essa fase é essencial para garantir que as atividades em campo ocorram com base em dados confiáveis, estruturados e validados. Além disso, esse levantamento subsidia a identificação de lacunas, incoerências e possíveis desvios entre o que foi projetado e o que de fato está instalado na estrutura.
No contexto de barragens com mais de três décadas de operação, conforme discutido no Item 1, é comum encontrar inconsistências em plantas, omissões em relatórios e ausência de registros consolidados de manutenção. Assim, a análise documental representa um momento crucial para recuperar informações técnicas que serão fundamentais para as etapas posteriores de inspeção, avaliação funcional e tomada de decisão.
Os principais documentos e informações que devem ser reunidos e revisados incluem:
- Projeto executivo de instrumentação: compreende o plano original de instrumentação, detalhando o tipo de instrumento, sua função, localização e características de instalação. Deve incluir também o memorial descritivo com os critérios de projeto e seleção dos equipamentos.
- Desenhos “as-built”, plantas e seções transversais: fornecem a base geométrica e altimétrica necessária para comparar o que foi projetado com o que foi efetivamente construído. São essenciais para localizar os instrumentos e verificar alinhamentos e cotas de instalação.
- Localização planimétrica e altimétrica dos instrumentos: devem ser verificados os dados de coordenadas UTM, datum de referência, cotas do topo do tubo, cotas de instalação e profundidade da base do instrumento. Estas informações são indispensáveis para a correta aplicação de equações de engenharia, como a determinação da carga piezométrica.
- Informações técnicas do instrumento: modelo, fabricante, tipo de tubo, tipo de filtro, diâmetro nominal e tipo de medição (manual ou automatizada) são informações que definem a capacidade do instrumento e as limitações de leitura.
- Histórico de leituras e intervenções: registros de leituras passadas, manutenções realizadas, substituições de peças, recalibrações e não conformidades identificadas devem ser compiladas para análise temporal da performance do instrumento.
A adequada sistematização dessas informações viabiliza não apenas a geração de formulários personalizados para inspeção (conforme detalhado nos itens seguintes), mas também permite a rastreabilidade dos dados ao longo do tempo, colaborando para auditorias técnicas e atualizações de projetos com segurança. Eventuais inconsistências entre os documentos (por exemplo, entre a cota de instalação descrita no projeto e aquela verificada em campo) devem ser tratadas como alertas para verificação adicional durante as inspeções.
Por fim, essa etapa deve resultar na consolidação de um banco de dados inicial estruturado, preferencialmente digital, que será alimentado com os resultados das avaliações de campo descritas nas recomendações a seguir. Como demonstrado ao longo deste Item, a qualidade dos dados levantados nesta fase condiciona diretamente a eficiência e a confiabilidade das análises técnicas posteriores.
Coleta de Dados com Formulários Padronizados
A etapa de coleta de dados em campo representa um dos momentos mais críticos da metodologia, pois é quando as informações atualizadas da instrumentação são verificadas, validadas e documentadas. Para garantir a uniformidade dos registros e reduzir o risco de omissões ou inconsistências, recomenda-se a utilização de formulários padronizados, especialmente desenvolvidos para cada tipo de instrumento monitorado.
Esses formulários devem conter campos estruturados que reflitam tanto os dados de projeto (levantados na fase de análise documental) quanto os dados observados em campo, permitindo comparações imediatas entre o previsto e o executado. Além disso, devem ser utilizados por profissionais capacitados e devidamente treinados para identificar anomalias visuais e registrar com precisão os parâmetros técnicos.
A Figura 1 apresenta um exemplo da aba “Dados Gerais” de um formulário eletrônico desenvolvido para a avaliação de piezômetros do tipo Casagrande (standpipe). Nessa aba, são registrados os seguintes dados fundamentais:
- Identificação da usina, estrutura e estaca;
- Identificação do instrumento (denominação em projeto e em campo);
- Coordenadas planimétricas (UTM) e datum geodésico adotado;
- Cotas relevantes: topo do tubo, cota de instalação e profundidade verificada em campo;
- Condições físicas observadas, como presença de lama, obstruções, ou instrumentos múltiplos instalados no mesmo furo;
- Situação operacional do instrumento (funcional ou não funcional);
- Equipamento utilizado na medição (ex.: fita elétrica, sonda eletrônica);
- Valor da leitura atual, comparado às leituras anteriores já validadas como representativas do comportamento usual do instrumento, de modo a identificar eventuais desvios, tendências atípicas ou inconsistências.
- Observações técnicas complementares.
Figura 1 – Formulário eletrônico – Aba Dados Gerais
No campo referente à leitura, é importante esclarecer que o valor registrado no formulário corresponde à leitura direta do comprimento do tubo seco (nível d’água dentro do piezômetro standpipe), realizada no momento da inspeção. A conversão desse valor em cota piezométrica, carga hidráulica ou pressão de poro deverá ser efetuada posteriormente em sistema próprio de processamento e análise de dados, considerando as informações de referência altimétrica (cota do topo do tubo e fundo do filtro). Portanto, o formulário não realiza cálculos automáticos, sendo sua função registrar fielmente a leitura de campo.
Em sequência à coleta dos dados gerais, realiza-se uma inspeção visual técnica, orientada por um checklist de conformidade, conforme ilustrado na Figura 2. Este checklist abrange aspectos fundamentais para a avaliação da integridade física e das condições operacionais visíveis do instrumento.
Os principais itens avaliados são:
- Condições da proteção superior do tubo, como tampas, vedação, telas de proteção ou caixas, verificando-se sua integridade e eficiência contra entrada de água, detritos ou animais;
- Indícios de processos erosivos, acúmulo de sedimentos, vegetação intrusiva ou infiltrações na região adjacente ao ponto do instrumento, que possam comprometer sua integridade ou acesso;
- Integridade da tubulação e das conexões aparentes, verificando a ausência de trincas, fissuras, deformações ou deslocamentos. Para casos em que há suspeitas ou dificuldade de inspeção visual completa, é recomendável a utilização de vídeo inspeção interna na tubulação (boroscopia), procedimento que permite avaliar de forma mais precisa possíveis obstruções, colapsos, intrusão de materiais ou degradação interna do tubo guia;
- Presença, legibilidade e fixação adequada das placas de identificação, etiquetas e elementos de sinalização, essenciais para a rastreabilidade e correta identificação dos instrumentos no campo;
- Estado de conservação de cabos, conectores, sensores e equipamentos associados à leitura, quando aplicável (em instrumentos elétricos);
- Análise qualitativa da leitura atual em relação ao comportamento histórico esperado do instrumento. Para essa verificação, recomenda-se que a equipe de campo tenha acesso, por meio de sistemas móveis ou relatórios impressos, aos gráficos de leituras históricas (níveis d’água registrados) ou, preferencialmente, aos gráficos de medidas convertidas (cargas piezométricas ou cotas piezométricas). Isso permite, no próprio local, avaliar se a leitura atual se mantém dentro de uma faixa de comportamento compatível com o histórico do ponto ou se apresenta desvios significativos que mereçam atenção imediata.
Vale reforçar que o cálculo das medidas (cota piezométrica ou carga piezométrica) não ocorre no formulário de inspeção, mas sim em sistemas dedicados à análise dos dados de instrumentação. Entretanto, a comparação qualitativa em campo, ainda que preliminar, é essencial para a avaliação imediata, especialmente em situações que demandem ações corretivas de curto prazo.
Figura 2 – Formulário eletrônico – Aba Inspeção Técnica
A padronização dos formulários permite a rastreabilidade das informações, facilita a integração com bancos de dados georreferenciados e reduz significativamente os riscos de erros de transcrição, especialmente quando integrados a plataformas digitais. Além disso, os formulários bem estruturados são ferramentas indispensáveis para a avaliação técnica que será consolidada na etapa seguinte, onde os instrumentos serão classificados e priorizados conforme os critérios definidos no Item 2.
Consolidação e Classificação Operacional
Após a coleta estruturada dos dados de campo e o preenchimento dos formulários padronizados, realiza-se a etapa de consolidação das informações em um banco de dados técnico, preferencialmente georreferenciado. Esta fase é essencial para assegurar a rastreabilidade dos dados, permitir análises espaciais e facilitar a integração com sistemas de gestão de segurança de barragens.
A sistematização dos dados coletados permite a verificação cruzada entre o previsto em projeto e as condições efetivamente encontradas em campo. Discrepâncias, falhas operacionais, dados incoerentes ou ausência de leituras são identificados com maior clareza, viabilizando análises comparativas e históricas.
Com base nas informações registradas e nas condições observadas, cada instrumento deve ser tecnicamente classificado segundo os critérios definidos no Item 2.
Essa classificação permite uma visão objetiva do estado geral do sistema de instrumentação e orienta a priorização de ações corretivas e preventivas. Os instrumentos podem ser agrupados nas seguintes categorias:
- Adequado: instrumento em pleno funcionamento, com dados consistentes, sem obstruções físicas visíveis e em conformidade com os parâmetros de projeto. Os registros históricos apresentam continuidade e coerência com os fenômenos esperados.
- Necessita de intervenção: Instrumento funcional, porém com anomalias que impactam parcialmente sua confiabilidade operacional. Podem ser observadas condições como obstruções parciais, divergências entre cotas de projeto e medições de campo, desgaste de componentes visíveis, lacunas nos registros históricos ou comportamento atípico. Nessa condição, os dados são considerados provisoriamente utilizáveis, porém com ressalvas técnicas e interpretados sob análise crítica. Recomenda-se que esses instrumentos sejam priorizados para ações de manutenção, limpeza, recalibração, reparo ou reavaliação cadastral, de forma a restabelecer sua plena confiabilidade.
- Inadequado: Instrumento sem funcionalidade operacional, apresentando falhas severas de leitura, degradações físicas críticas, ausência prolongada de dados válidos ou comprometimento estrutural que inviabiliza medições seguras e precisas. Nessas situações, os dados produzidos devem ser desconsiderados para fins de monitoramento até que ocorra a devida correção. Recomenda-se a substituição, desativação formal ou realocação do instrumento, mediante avaliação técnica, considerando o grau de criticidade da informação que ele deveria fornecer no contexto da segurança da estrutura.
Essa classificação operacional deve ser formalmente registrada em relatórios técnicos estruturados, obrigatoriamente vinculados a um banco de dados georreferenciado. Esses relatórios devem conter:
- Plantas de instrumentação atualizadas, com localização precisa dos pontos e suas respectivas classificações operacionais;
- Evidências fotográficas das condições dos instrumentos;
- Croquis esquemáticos quando aplicável;
- Gráficos das séries históricas das leituras, possibilitando a análise temporal e a identificação de tendências ou anomalias;
- Descrição detalhada das não conformidades, limitações operacionais e recomendações técnicas associadas.
Os resultados desse processo alimentam diretamente a elaboração de planos de ação técnicos, priorizando as intervenções de acordo com a criticidade de cada instrumento e sua relevância para a análise do desempenho e da segurança da estrutura.
A aplicação dessa metodologia estruturada, aliada ao uso de sistemas digitais e de bases georreferenciadas, potencializa significativamente a gestão da instrumentação, melhorando a confiabilidade, rastreabilidade e qualidade dos dados, além de fortalecer o processo decisório técnico voltado à segurança operacional das barragens.
Plano de ação
A etapa final da aplicação da metodologia consiste na elaboração do plano de ação, que deve ser construído com base na consolidação dos dados e na classificação técnica dos instrumentos. Essa fase é essencial para transformar os achados da inspeção e da avaliação funcional em ações concretas de correção, melhoria ou desativação do instrumento.
O plano de ação deve ser estruturado de forma objetiva e priorizada, considerando os seguintes elementos:
- Criticidade do instrumento: função que ele desempenha na estrutura (ex.: controle de poropressão em zona crítica);
- Classificação técnica: condição atual (Adequado, Necessita de intervenção, Inadequado);
- Recursos e prazos disponíveis: logística para intervenções e capacidade técnica da equipe;
- Integração com o plano de segurança da barragem: especialmente quando houver implicações para planos de emergência ou estabilidade da estrutura.
Para cada instrumento ou grupo de instrumentos, o plano deve indicar:
- Ações recomendadas (ex.: limpeza, substituição, recalibração, realocação);
- Responsável técnico;
- Prazo de execução;
- Necessidade de atualização de desenhos, banco de dados e relatórios técnicos;
- Observações adicionais sobre limitações ou condicionantes.
Além de orientar intervenções técnicas, o plano de ação deve servir como ferramenta de gestão contínua da instrumentação, permitindo o acompanhamento da execução das medidas propostas e a reavaliação periódica do sistema de monitoramento.
A sistematização descrita neste Item demonstra que a metodologia proposta é aplicável não apenas a piezômetros do tipo Casagrande, mas pode ser estendida a outros tipos de instrumentos com as devidas adaptações nos formulários e critérios técnicos. Sua aplicação é especialmente relevante em empreendimentos com instrumentação antiga, onde a ausência de rotinas padronizadas compromete a confiabilidade dos dados.
Com a consolidação do plano de ação, encerra-se a apresentação da metodologia prática proposta para o inventário, avaliação e classificação de instrumentos de monitoramento em estruturas civis de hidrelétricas. Os procedimentos descritos ao longo deste Item demonstram que, mesmo em empreendimentos com históricos fragmentados ou instrumentação antiga, é possível restabelecer a rastreabilidade e a confiabilidade dos dados por meio de uma abordagem estruturada, padronizada e tecnicamente fundamentada.
A aplicação de formulários eletrônicos, associada à inspeção visual qualificada e à sistematização dos resultados, permite não apenas avaliar a condição atual dos instrumentos, mas também estabelecer prioridades de intervenção e promover uma cultura de gestão contínua da instrumentação.
Como complemento a esse processo, o próximo Item apresentará um conjunto de considerações finais sobre a importância estratégica da instrumentação no contexto da segurança de barragens, bem como recomendações para sua gestão eficiente ao longo do tempo. Para ilustrar como os dados obtidos por meio desta metodologia podem ser utilizados de forma dinâmica, será apresentado um exemplo de dashboard técnico, uma ferramenta visual interativa que auxilia na interpretação dos resultados das avaliações e no acompanhamento das ações previstas. Essa integração entre análise técnica e recursos digitais representa um avanço importante na gestão moderna dos sistemas de auscultação.
CONCLUSÃO
A análise conduzida anteriormente evidenciou que uma das principais fragilidades dos sistemas de instrumentação atualmente em operação no Brasil está relacionada à ausência de procedimentos técnicos sistematizados para levantamento, avaliação e verificação da necessidade de atualização dos instrumentos. Esse cenário é agravado pela falta de integração entre dados de projeto, registros históricos e observações de campo.
A metodologia proposta demonstrou ser uma alternativa viável e robusta, mesmo para barragens com mais de três décadas de operação ou com acervos documentais parcialmente perdidos. A padronização da coleta de informações por meio de formulários específicos e georreferenciados, aliada à realização de inspeções técnicas visuais, permite recuperar a rastreabilidade dos dados e estabelecer diagnósticos confiáveis sobre o estado funcional de cada instrumento.
Essa abordagem não apenas promove ganhos em confiabilidade e organização da base de dados, mas também fortalece a cultura da manutenção preventiva e qualifica a tomada de decisão com base em evidências técnicas. O uso de formulários eletrônicos estruturados se mostrou particularmente eficaz ao permitir a consolidação automatizada dos dados, facilitando análises subsequentes e o planejamento de ações corretivas.
Com base na aplicação prática da metodologia apresentada, recomenda-se a adoção das seguintes diretrizes como parte de um programa contínuo de gestão da instrumentação em barragens:
- Implantação e manutenção de inventários técnicos georreferenciados, com atualização periódica, garantindo rastreabilidade, integridade das informações e apoio às análises espaciais da instrumentação;
- Revisão crítica e validação das informações de projeto, incluindo dados fundamentais como cotas de instalação, profundidade dos furos, referências altimétricas e leituras iniciais, além da verificação de constantes e parâmetros utilizados nos cálculos das medidas;
- Estabelecimento de ciclos regulares de inspeção, avaliação funcional e atualização da classificação operacional dos instrumentos. Esta “reclassificação” consiste na revisão da condição operacional do instrumento (Adequado, Necessita de Intervenção ou Inadequado) com base nas inspeções e avaliações mais recentes . Essa prática é importante para que a situação operacional de cada instrumento reflita sua condição real ao longo do tempo, uma vez que fatores como envelhecimento, degradação física ou manutenção podem alterar sua performance;
- Substituição progressiva dos formulários físicos por plataformas digitais, integradas a sistemas de gestão da segurança de barragens e bancos de dados técnicos, de modo a otimizar o fluxo de informações, reduzir erros de transcrição e aumentar a rastreabilidade dos registros;
- Capacitação contínua das equipes de campo, operação e engenharia, tanto na correta execução das leituras quanto na interpretação dos dados de auscultação e na análise de anomalias, promovendo alinhamento técnico e operacional;
- Desenvolvimento e utilização de dashboards técnicos interativos, que permitam a visualização dinâmica do status da instrumentação, o acompanhamento da classificação operacional dos instrumentos, a distribuição por tipo e localização, além da geração de listas de intervenções prioritárias, com prazos, responsáveis e locais claramente definidos.
Figura 3 – Dashboard Técnico para Avaliação da Instrumentação
A Figura 3 apresenta um exemplo de dashboard técnico desenvolvido com base nos dados estruturados a partir dos formulários descritos no Item 3. Este painel integra visualmente informações como:
- A classificação operacional dos instrumentos (Adequado, Necessita de Intervenção ou Inadequado);
- A distribuição dos instrumentos por tipo, localização e estrutura da barragem;
- Um resumo das intervenções prioritárias, com detalhamento de status, prazos, responsáveis e locais.
No painel, o termo “atualizar equipamento de leitura” refere-se à necessidade de revisar, calibrar, reparar ou substituir os equipamentos utilizados na coleta de dados, sejam eles dispositivos manuais (medidores de nível d’água, manômetros, termômetros) ou sistemas digitais (dataloggers, sensores automáticos e módulos de comunicação). Essa atualização visa garantir que os equipamentos mantenham precisão, conformidade metrológica e compatibilidade tecnológica com os sistemas atuais de monitoramento e gestão.
Ferramentas desse tipo não apenas otimizam a gestão técnica da instrumentação, mas também facilitam a comunicação eficiente entre as equipes operacionais, a engenharia, a gestão corporativa e os órgãos reguladores.
A metodologia proposta neste trabalho representa uma contribuição técnica robusta e aplicável para o fortalecimento da segurança de barragens, ao promover uma abordagem estruturada, rastreável e adaptável à realidade dos empreendimentos em operação.
Para avanços futuros, recomenda-se que essa abordagem seja integrada a:
- Sistemas de monitoramento em tempo real, utilizando sensores inteligentes e transmissão remota;
- Ferramentas de análise automatizada de séries históricas, com aplicação de inteligência artificial e algoritmos de detecção de anomalias;
- Incorporação de métricas de desempenho da instrumentação nos Planos de Segurança de Barragens (PSB), possibilitando uma gestão proativa, baseada em indicadores objetivos.
Esses aprimoramentos contribuirão de forma decisiva para elevar o padrão de excelência na gestão da instrumentação, fortalecer a cultura de segurança e mitigar riscos em infraestruturas críticas, alinhando-se às melhores práticas de engenharia.
PALAVRAS-CHAVE
Instrumentação de Monitoramento, Segurança de Barragens, Gestão de Riscos, Avaliação Operacional de Instrumentos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] – Brasil. (2010). Lei nº 12.334, de 20 de setembro de 2010. Estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens destinada a empreendimentos que acumulem água, rejeitos industriais ou resíduos minerais, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Recuperado de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12334.htm
[2] – Agência Nacional de Energia Elétrica. (2023). Resolução Normativa nº 1.064, de 2 de maio de 2023. https://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren20231064.pdf
[3] – United States Army Corps of Engineers. (2020). EM 1110-2-1908: Instrumentation for monitoring dam performance. Washington, DC: USACE.
[4] – ICOLD – International Commission on Large Dams. (2018). Dam safety management: Operational phase (Bulletin 154). Paris: ICOLD.
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[7] – Hvorslev, M.J. (1951) “Time lag and soil permeability in ground-water observations”. Bull. No. 36, Waterways Experiment Station. Corps of Engineers, U.S. Army, Vicksburg, Mississippi, 50pp