Simulação de Hidrogramas Probabilísticos de Ruptura de Barragens Considerando-se Limites Geométricos do Terreno Natural na Definição de Brechas Potenciais

Jáder Vinícius A1meida Pereira 1 ; Giovanna Zanandrez 2; Rodrigo Perdigão Gomes Bezerra3;

Julian Cardoso Eleutério4; & Alexandre Ângelo Carmo Luiz da Silva5

Abstract: Sensitivity and uncertainty analyses in flood mapping are crucial for understanding risk. Probabilistic approaches are increasingly used to analyze uncertainties in these mappings. The formation of breaches in dam failures is a key step in the analysis, and its associated uncertainties are significant. This study compares two different assumptions regarding the analysis of uncertainties in breach parameters. The assumptions differ in terms of establishing maximum limits for breach parameters, relating to the possibility or impossibility of breaches with dimensions exceeding the geometric limits of the natural terrain where the dam is located. In a case study, 8,000 rupture simulations were performed using the HEC-RAS 2D software, considering the random variation of five breach parameters. The restrictions imposed on the breach geometry significantly impacted the magnitude of peak flows in rupture hydrographs, resulting in differences of up to 47% between simulated values when considering the different assumptions. It is concluded that the definition of geometric restrictions for breaches may be an important step in the probabilistic approach and should be carefully observed according to the physical reality of the case study under analysis.

Resumo: Análises de sensibilidade e de incertezas em mapeamentos de inundações são fundamentais à compreensão do risco. Abordagens probabilísticas são cada vez mais utilizadas para analisar incertezas existentes nesses mapeamentos. A formação de brechas em rompimentos de barragem é uma etapa fundamental à análise, e suas incertezas associadas são significativas. Este trabalho compara duas diferentes premissas relacionadas à análise de incertezas em parâmetros de brecha. As premissas se diferem em relação ao estabelecimento de limites máximos aos parâmetros de brecha relacionados à possibilidade ou impossibilidade de formação de brechas com dimensões superiores aos limites geométricos do terreno natural onde a barragem está implantada. Em um estudo de caso, foram realizadas 8.000 simulações de ruptura, utilizando o programa HEC-RAS 2D, considerando a variação aleatória de cinco parâmetros de brecha. As restrições impostas à geometria das brechas impactaram significativamente a magnitude das vazões de pico dos hidrogramas de ruptura, levando à diferença de até 47% entre valores simulados considerando-se as diferentes premissas. Conclui-se que a definição de restrições geométricas das brechas pode constituir uma etapa importante na abordagem probabilística, devendo ser cuidadosamente observada de acordo com a realidade física do estudo de caso em análise.

Palavras-Chave – Dam Break; Análise de Incertezas; Parâmetros de Brecha.

1) Engenheiro Civil, Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SMARH) da UFMG, jadervinicius@ufmg.br;
2) Engenheira Civil na empresa Pimenta de Ávila Consultoria, giovannazanandrez@gmail.com;
3) Engenheiro Civil, Mestre em SMARH; rodrigopgb@gmail.com;

4) Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos (EHR) / SMARH / UFMG, julian.eleuterio@gmail.com; 5 ) Engenheiro Ambiental, Mestre pelo SMARH, área de concentração: Recursos Hídricos; alexandreangelo89@yahoo.com.br.

1- INTRODUÇÃO

O mapeamento de inundações é uma ferramenta indispensável à gestão do risco. No entanto, incertezas de diversas ordens são inerentes aos fenômenos a ele associados e, consequentemente, aos estudos que focam em compreendê-los. No que concerne ao mapeamento de inundações decorrentes de cheias naturais, vários estudos apontam principalmente para incertezas relacionadas a parâmetros hidrológicos, aos dados topobatimétricos e aos parâmetros hidrodinâmicos com ênfase no coeficiente de rugosidade de Manning (CANDELA et al., 2016; LIU et al., 2018; JUNG et al., 2012; OUBENNACEUR et al., 2018). Já em relação às inundações decorrentes do rompimento de barragens, trabalhos recentes enfatizam principalmente a análise de incertezas relacionada aos parâmetros da brecha de ruptura (KIM et al., 2016; BELLOS et al., 2020; GOODELL et al., 2018). A avaliação e quantificação dessas incertezas é fundamental para melhor compreensão do risco associado.

Em geral, mapas de inundações associados a estudos de ruptura hipotética de barragens são desenvolvidos de forma determinística com o intuito de se analisar impactos em cenários pré- definidos, o que traz certa limitação por não considerar as incertezas existentes em diversos parâmetros no processo (TSAI et al., 2019). Dentre as metodologias determinísticas utilizadas na modelagem de inundações decorrentes do rompimento de barragens, destacam-se o uso de equações de predição de parâmetros de brecha de ruptura com base em regressões estatísticas de registros históricos de rupturas de barragens (FROEHLICH, 2016; XU e ZHANG, 2009). O mapeamento de inundações determinístico tende a representar de maneira incompleta os riscos potenciais, dificultando uma avaliação objetiva de incertezas e de danos associados à ocorrência de inundações (KHERADMAND et al., 2018). Como alternativa, surge o mapeamento probabilístico de inundações.

A abordagem probabilística permite a consideração das incertezas com o intuito de atribuir ao mapeamento, probabilidades de ocorrência associadas às incertezas existentes (PAPAIOANNOU et al., 2017). Recentemente, uma maior atenção é dada a esse tipo de mapeamento, que apesar de mais rigoroso, ainda apresenta vários desafios práticos e científicos. Dentre os desafios existentes para a aplicação do mapeamento probabilístico de inundações, destaca-se a elevada demanda computacional requerida em função da maior quantidade de cenários avaliados. Para superar esse desafio, estudos recentes têm utilizado modelos hidrodinâmicos truncados que consideram uma malha computacional reduzida apenas para a região que influencia na geração dos hidrogramas de ruptura (GOODELL et al., 2018; BELLOS et al., 2020; SILVA e ELEUTÉRIO, 2023).

Destaque é dado ao trabalho de Silva e Eleutério (2023) que desenvolveu, para o estudo de caso proposto por Zenz e Goldgruber (2013), uma análise probabilística relacionada a parâmetros de brecha utilizado o programa HEC-RAS e o Método de Monte Carlo (MMC). Nesse trabalho, os autores utilizaram uma base de dados composta por 3.861 registros de ruptura de barragens localizadas em 69 países, contendo informações referentes aos parâmetros de brecha identificados e às características das barragens, para fundamentar a escolha de distribuições probabilísticas para parâmetros de brecha utilizados em estudos de ruptura hipotética de barragens. O uso de simulações probabilísticas com esse intuito demonstrou grande potencial em se identificar diferentes cenários potenciais de inundações com base em diferentes hidrogramas de ruptura (GOODELL et al., 2018; BELLOS et al., 2020). No entanto, essas análises devem se fundamentar em premissas físicas realísticas relacionadas ao potencial de abertura de brechas. Na prática, é comum a adoção de critérios conservadores em análises determinísticas. Na literatura científica, são utilizados alguns critérios físicos para se definir os limites relacionados à abertura de brechas (WAHL, 2014; XU e ZHANG, 2009; FERENTCHAK e JAMIESON, 2008). Essas premissas podem influenciar a análise final, o que é objeto específico desse trabalho.

Nesse sentido, considerando a abordagem probabilística, salienta-se a importância do estabelecimento de critérios que limitem a formação de brechas de ruptura de acordo com a realidade física do estudo de caso a ser analisado. No presente trabalho, realizou-se uma comparação entre a amostragem dos parâmetros de brecha desenvolvida por Silva et al. (2021), que adota uma premissa condicional (hipótese 1) para evitar a formação de brechas com elevação do fundo inferior à elevação do topo rochoso e largura de crista maior que a distância estimada entre as rochas das ombreiras direita e esquerda da barragem, e uma premissa mais restritiva (hipótese 2) que considera outras limitações, foco deste artigo. Levando em conta as limitações da representação de processos erosivos no modelo hidrodinâmico utilizado, o presente trabalho apresenta uma adaptação da rotina computacional de sorteio desenvolvida por Silva et al. (2021), de maneira a estabelecer limites aos parâmetros de brecha aleatoriamente gerados e restringir a formação de brechas de ruptura com dimensões que transpassem os limites geométricos definidos pelo terreno natural na seção do vale no qual a barragem está implantada. Dessa forma, o presente estudo se desenvolve sob a premissa de que o terreno natural considerado possui elevada resistência, não sofrendo processos erosivos em decorrência do evento de ruptura da barragem.

2- DESCRIÇÃO DO ESTUDO DE CASO

O estudo de caso utilizado para a análise foi proposto por Zenz e Goldgruber (2013) e posteriormente desenvolvido por Silva e Eleutério (2023). Se trata de uma barragem fictícia, implantada em um terreno virtual, cujo modo de falha que leva à ruptura é o galgamento. Na Tabela 1, são apresentadas as características gerais da barragem.

Tabela 1 – Características gerais da barragem

O estudo de caso considera uma barragem hipotética construída em uma região montanhosa, com área a jusante caracterizada por um vale encaixado, com extensão aproximada de 3,5 km, seguido por uma região de planície. Tendo em vista que o foco desta análise é simulação do hidrograma probabilístico, foi utilizado o modelo truncado de Silva e Eleutério (2023). Este descreve apenas o primeiro trecho de jusante, até a seção de controle hidráulica definida pela transição do vale encaixado e do vale aberto. A seguir são apresentadas as características da malha computacional e Modelo Digital de Elevação (MDE) (Tabela 2), e as opções de cálculo e tolerâncias adotados (Tabela 3). As características da modelagem paramétrica da abertura de brecha e da modelagem probabilística adotadas são apresentadas na Tabela 4.

Dentre os parâmetros não aleatórios, o nível de água no reservatório no momento da ruptura foi considerado, de maneira conservadora, na elevação correspondente à crista da barragem (El. 272,00 m). Já a posição central da brecha (centro) foi definida como sendo igual ao ponto médio da seção transversal da barragem (180 m). Além disso, tendo em vista que a capacidade de descarga da brecha de ruptura é calculada a partir das equações de soleira livre (USACE, 2016a), adotou-se o coeficiente de descarga típico de soleiras espessas (1,705). Por fim, conforme recomendado por Colorado (2020), adotou-se o método senoidal para a progressão da brecha de ruptura, por tender a apresentar hidrogramas de ruptura mais conservadores.

tabela 2 e 3

Tabela 4 - Características do modelo de abertura de brecha

3- METODOLOGIA

Para a condução da análise de incertezas realizada no presente estudo, utilizou-se o Método de Monte Carlo (MMC), associado ao método de sorteio da Amostragem Aleatória Simples (AAS). Foram consideradas como variáveis aleatórias cinco parâmetros de brecha: largura de fundo final (LF); elevação de fundo (ELFUN); declividade da parede lateral esquerda (Zesq); declividade da parede lateral direita (Zdir); e tempo de formação (TF). Para isso, foi utilizado o algoritmo desenvolvido por Silva et al. (2021) para o sorteio aleatório dos valores dos cinco parâmetros de brecha seguindo as distribuições de probabilidade determinadas em Silva e Eleutério (2023) para cada um desses parâmetros (Tabela 5).

Tabela 5 - Parâmetros das distribuições de probabilidades dos parâmetros de brecha

O cálculo dos hidrogramas de ruptura foi realizado com base na rotina desenvolvida por Silva et al. (2021) que se compõem em 5 etapas principais: a primeira (A) utiliza o método da AAS para a geração dos parâmetros de brecha aleatórios, seguindo suas distribuições de probabilidade e observando alguns limites geométricos; na segunda (B), é realizada a manipulação dos dados de entrada do modelo hidrodinâmico configurado no programa HEC-RAS, de forma a alterar automaticamente os parâmetros de brecha aleatórios sorteados em cada iteração da etapa anterior; na terceira etapa (C), os dados de entrada alimentam o arquivo de simulação do modelo hidrodinâmico e, a cada iteração, é realizada uma nova simulação da ruptura da barragem; na quarta etapa (D), em cada iteração, um hidrograma de ruptura é extraído, sendo armazenada sua vazão de pico, a partir de então, inicia-se um processo de looping, e o algoritmo retorna à primeira etapa, e esse processo se repete de acordo com o número de simulações definido pelo usuário; por fim, a quinta e última etapa (E) realiza o cálculo dos quantis associados às probabilidades empíricas de excedência para as vazões de pico dos hidrogramas de ruptura calculados.

A quantidade de simulações executadas foi definida conforme análise de estabilidade estatística realizada em Silva e Eleutério (2023). Nessa análise, foram calculadas as variações percentuais do primeiro e segundo momentos estatísticos das vazões de pico dos hidrogramas de ruptura a cada nova simulação. Chegou-se ao número de 8.000 simulações, observando-se que as variações para os dois primeiros momentos estatísticos das vazões de pico foram inferiores a 1%.

No que concernem às restrições físicas para as brechas de rupturas, o primeiro conjunto de premissas, aqui denominado de hipótese 1, estabelecido no algoritmo de sorteio dos parâmetros de brecha (Silva et al., 2021), obedece a 3 critérios: (A) a Elevação de Fundo da Brecha (ELFUN) não deve atingir valores inferiores ao limiar definido pelo fundo rochoso (El. 206,03 m); (B) a Largura de Fundo da Brecha (LFUN) não deve atingir valores superiores ao limiar definido pela largura da crista do maciço (360,0 m); e (C) as Inclinações Laterais da Brecha (Zesq, Zdir) não devem atingir valores que levem a Larguras de Topo superiores ao limiar definido pela distância estimada entre as rochas das ombreiras direita e esquerda da barragem.

Com essas premissas, considerou-se a possibilidade de geração de brechas cujas dimensões ultrapassam os limites impostos pela morfologia da seção de vale na qual a barragem está implantada, pressupondo a possível ocorrência de erosão no terreno natural. Segundo (USACE, 2016b), nessa ocasião, o HEC-RAS reduz a elevação das células adjacentes ao eixo de implantação da barragem, de maneira progressiva, enquanto a brecha se desenvolve, porém, essa redução acontece apenas nas células imediatamente a montante e a jusante do eixo da barragem. Considerando-se as características do modelo e do estudo de caso, na reprodução do estudo de Silva e Eleutério (2023), foram observadas instabilidades nos resultados obtidos quando as brechas atingiam dimensões que ultrapassavam os limites impostos pelo terreno natural. Essas instabilidades foram manifestadas através de hidrogramas de ruptura com volumes superiores à capacidade de armazenamento da barragem e com vazões negativas, além de velocidades de escoamento imediatamente a jusante da barragem incompatíveis com a realidade física local. Esse comportamento pode estar associado à posição central da brecha, à morfologia do vale no qual a barragem analisada se encontra implantada, à configuração do modelo e do próprio algoritmo de solução das equações de Saint-Venant.

A premissa mais restritiva, aqui denominada de hipótese 2, foco principal do presente trabalho, foi imposta por meio da adaptação do algoritmo de sorteio elaborado por Silva et al. (2021) para que os parâmetros de brecha sorteados não ultrapassem os limites do terreno natural do vale no qual a barragem está instalada. Essa hipótese foi fundamentada sob a premissa de que o terreno natural possui elevada resistência, não estando sujeito a processos erosivos em decorrência da ruptura da barragem. Para isso, o algoritmo faz a leitura dos dados da seção transversal do terreno na qual a barragem está instalada e o sorteio dos parâmetros ocorre de maneira idêntica ao algoritmo desenvolvido por Silva et al. (2021), porém, alterando-se os seguintes critérios: (A) a Elevação de Fundo da Brecha (ELFUN) não deve atingir valores inferiores ao limiar definido pelo terreno natural na posição central da brecha (180 m) que, nesse caso, corresponde à El. 213,00 m; (B) os valores máximos para as Inclinações Laterais da Brecha (Zesq, Zdir), foram definidos com base na estimativa de uma brecha triangular, com elevação de fundo correspondente à El. 211,00 m e largura de topo igual à largura do maciço (360 m). Dessa forma, os valores não devem atingir valores superiores 2,7 e 2,6 para as inclinações laterais esquerda e direita, respectivamente.

A partir de então, são calculadas coordenadas para os quatro vértices da brecha trapezoidal, denominados Topo Esquerdo (TE), Fundo Esquerdo (FE), Fundo Direto (FD) e Topo Direito (TD). Além disso também são calculados os quatro vértices da brecha projetados no terreno natural, denominados Topo do Vale Esquerdo (TVE), Fundo do Vale Esquerdo (FVE), Fundo do Vale Direito (FVD) e Topo do Vale Direito (TVD), conforme esquema representado na Figura 1.

Figura 1 – Esquema da notação dos vértices da brecha

Ressalta-se que os valores de YTE e YTD são iguais e correspondem à elevação da crista da barragem (ELcrista). Ainda nesse sentido YFE e YFD correspondem à elevação do fundo da brecha (ELFUN).

Dessa forma, uma vez definidas as coordenadas dos quatro vértices da brecha sorteada, realiza- se a verificação se os vértices da brecha se encontram entre os vértices do terreno natural. Caso essa condição não seja atendida, os parâmetros de Largura de Fundo (LF), Inclinação Lateral Esquerda (Zesq) e Inclinação Lateral Direita (Zdir) são reamostrados, nessa ordem, de maneira que as verificações supracitadas são reanalisadas a cada sorteio de cada um dos parâmetros. A estrutura de repetição só é interrompida quando as quatro condições são atendidas.

Por fim, determinou-se os hidrogramas de ruptura associados a cada um dos 8.000 conjuntos gerados, utilizando o algoritmo desenvolvido por Silva et al. (2021). Para a definição das probabilidades de excedência dos hidrogramas de ruptura, utilizou-se como critério de ordenamento a vazão de pico e calculou-se as probabilidades empíricas de excedência para os 8.000 valores.

4- RESULTADOS E DISCUSSÃO

As amostragens possibilitaram a formação de 8.000 conjuntos de parâmetros de brecha para cada hipótese, tomando-se como base o resultado de estabilidade estatística definida. Com base na nova amostragem com premissas mais restritivas impostas à geometria da brecha (hipótese 2), foram simuladas as características dos hidrogramas de ruptura (Figura 2 e Tabela 6), a saber, vazão de pico, tempo de pico e tempo de base, associados a probabilidades notáveis, assim como os parâmetros de brecha associados a cada um dos hidrogramas de ruptura. Na Figura 3 exibe-se as brechas associadas a esses hidrogramas específicos.

Figura 2 e 3 e tabela 6

 

Os resultados encontrados na hipótese 2 do presente trabalho diferem significativamente dos resultados encontrados com a hipótese 1, obtidos por Silva e Eleutério (2023) (Figura 4). Em termos percentuais relativos, os quantis associados às probabilidades de excedência extremas (0,5% e 99,5%) determinados no presente trabalho são, em média, 44% inferiores aos encontrados por Silva e Eleutério (2023). Essas diferenças apresentam uma tendência decrescente à medida que os quantis se aproximam das probabilidades de excedência centrais, apresentando menores valores nos quantis associados às probabilidades de excedência de 50% e 75%.

Figura 4 – Comparação das probabilidades associadas às vazões de pico encontradas no presente trabalho e no trabalho de Silva e Eleutério (2023)

Essas diferenças são explicadas pela modificação dos critérios de sorteio dos parâmetros de brecha, uma vez que a hipótese 1 não restringe as dimensões das brechas aos limites do terreno natural, possibilitando a geração de brechas com maiores dimensões e, justificando os valores de vazão de pico superiores encontrados em Silva e Eleutério (2023).

Por fim, foi verificado que as brechas foram limitadas à geometria do terreno imediatamente a jusante da brecha (Figura 5). Essa representação dos vértices das 8.000 brechas formadas atesta que o código desenvolvido obteve sucesso em conter as suas dimensões dentro dos limites propostos. Observando-se os resultados apresentados (Figura 3), nota-se que a posição central da brecha na estaca 180 m (ponto médio do eixo da barragem) impede a formação de brechas com larguras de base de maior magnitude, uma vez que o HEC-RAS distribui a largura de base de maneira simétrica a partir do centro da brecha e essa posição está mais próxima da parede lateral direita do terreno natural, limitando que a largura da brecha se prolongue até a parede lateral esquerda do terreno natural.

Figura 5 – Vértices das brechas de ruptura geradas a partir da amostragem aleatória simples

Nota-se, portanto, que a premissa central da hipótese 2, ou seja, a não erodibilidade do terreno natural, se apresentou como uma importante restrição no desenvolvimento de brechas de ruptura de maior magnitude e, consequentemente, na geração de maiores hidrogramas de ruptura. Isso está relacionado, principalmente, aos critérios utilizados para restringir a amostragem do parâmetro de elevação de fundo da brecha, uma vez que, combinado com a posição central da brecha, configurou-se um cenário no qual as brechas formadas apresentaram pequenas larguras de fundo e elevações de fundo com uma sobre-elevação de 2 m do ponto mais baixo do reservatório (El. 211,00 m). Sendo assim, devido ao fato de que o cálculo das vazões é realizado através da equação de soleira livre, a combinação de pequenas larguras com menores cargas hidráulicas levou à geração de hidrogramas de ruptura menores do que os observados por Silva e Eleutério (2023).

Nesse sentido, observa-se que posicionar a brecha no ponto médio do eixo da barragem, a depender da morfologia do vale, não representa, necessariamente, o cenário mais conservador. No presente estudo de caso, o posicionamento da brecha no ponto de maior altura do maciço da barragem (150 m), ou seja, no alinhamento do talvegue natural, possibilitaria a formação de brechas mais largas e mais altas, aumentando, assim, a carga hidráulica acima da brecha e, consequentemente, favorecendo a geração de hidrogramas de ruptura mais pronunciados. Segundo Sanz-Ramos (2023), a consideração da posição central da brecha coincidir com o fundo do vale é comumente adotada em estudos de ruptura de barragem, por levar ao cenário mais conservador.

5- CONCLUSÕES

A partir dos resultados discutidos, observa-se que a adaptação do código desenvolvido por Silva et al. (2021) foi bem-sucedida em impedir a formação de brechas com dimensões superiores aos limites impostos pelo terreno natural na seção de implantação da barragem hipotética em estudo. Além disso, não foram observadas evidências de instabilidade numérica nos resultados encontrados. Dessa forma, ressalta-se que, embora o HEC-RAS possua a capacidade de, na ocasião de uma brecha com dimensões superiores aos limites do vale, adaptar a elevação do terreno natural nas células adjacentes ao eixo da barragem, em algumas situações, isso pode levar a resultados instáveis.

Nesse sentido, devido às restrições impostas como premissas, os resultados encontrados, apresentaram, de maneira geral, hidrogramas de ruptura com vazões de pico inferiores às encontradas por Silva e Eleutério (2023). Os novos valores chegaram a apresentar 44% de redução para os quantis associados às probabilidades de excedência extremas (0,5% e 99,5%). Logo, as restrições adotadas como premissa impactaram significativamente na magnitude das vazões de pico dos hidrogramas de ruptura, levando a um cenário menos conservador. Esses resultados justificam-se, principalmente, devido aos critérios utilizados para a definição da posição central da brecha e a restrição do parâmetro de elevação de fundo, levando a larguras de fundo de pequenas dimensões.

Não obstante, ressalta-se que, Silva e Eleutério (2023), através da avaliação das informações de 314 casos reais de rupturas de barragens por galgamento, notaram que 18% dos casos apresentaram erosão no terreno natural. Portanto, embora não tenham sido observadas instabilidades numéricas no presente estudo, a hipótese de não erodibilidade do terreno representa um cenário cuja realidade física não contempla parte dos casos históricos de ruptura de barragens de terra por galgamento e, por isso, sua adoção deve ser realizada com cautela.

Conclui-se que as restrições geométricas das brechas de ruptura podem ser também consideradas como uma etapa importante na abordagem probabilística adotada, devendo ser cuidadosamente observadas de acordo com a realidade física do estudo de caso em análise. Recomenda-se, com base nessas conclusões e nos possíveis impactos dessa etapa, que estudos futuros se aprofundem nessas considerações em função das características dos vales, características geotécnicas e demais aspectos pertinentes, buscando avaliar se tais premissas restritivas devem ser incorporadas nesse tipo de análise.

AGRADECIMENTOS – Os autores agradecem à CAPES, ao CNPQ, à FAPEMIG e à UFMG pelo amparo concedido para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas ao tema.

 

REFERÊNCIAS

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